Folha de S. Paulo


Crítica: Escritor grego recria luta de Creta contra ocupação turca

A vida toda, o cretense Nikos Kazantzákis (1883-1957) procurou Deus. Não a divindade antropomórfica das religiões instituídas, mas o Deus infinitamente superior a elas. A divindade abstrata, avessa à redução racionalista e, por isso, impossível de ser descrita verbalmente.

Na história do mundo, não há um único indivíduo que tenha saído ileso dessa demanda de proporções míticas. As terríveis contradições dialéticas que o escritor tentou sintetizar foram as mesmas que torturaram Dostoiévski, Tolstói e Nietzsche.

Em comum com esses autores, há também a linguagem passional, incendiária. Kazantzákis foi um dos poucos romancistas do século 20 que conseguiram ser genuinamente metafísicos, evitando o cinismo e a ironia niilista.

Seus romances mais celebrados foram "Vida e Proezas de Aléxis Zorbás" (1946), sobre um homem carismático, capaz de revitalizar todos à sua volta, e "A Última Tentação de Cristo" (1951), sobre a dupla natureza --humana e divina-- de Jesus Cristo.

Essa tormenta existencial de um Jesus dividido entre a prudência e a militância desdobrou-se em outros dois romances de autores importantes: "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", de José Saramago, e "O Testamento de Maria", de Colm Tóibín.

ÉPICO

Kazantzákis foi um grande inventor de personagens vigorosos, mas contraditórios --iguais a ele--, agonizando entre o sagrado e o profano, a contemplação e a ação.

Publicado originalmente em 1953, "O Capitão Mihális" recoloca em cena os maiores tópicos de sua reflexão mística e filosófica: o sobrenatural (Deus), o livre-arbítrio, a fé absoluta no ser humano e o amor à pátria grega.

A ação acontece em 1889, em Megalo Kastro, capital de Creta, onde cristãos autóctones e muçulmanos invasores lutam pelo domínio da ilha. Mihális Kazantzákis, guerrilheiro feroz, é ninguém menos que o pai do romancista.

Kazantzákis, o filho, recriou ficcionalmente pessoas e episódios reais de sua infância sob a ocupação turca.

Personagens idealistas, diálogos teatrais e combates heroicos. Sua narrativa encontrou um lugar entre "Jerusalém Libertada", de Torquato Tasso, e "Guerra e Paz", de Tolstói.

Na lápide do autor está escrito em grego: "Não espero nada. Não temo nada. Sou livre". Divisa muitíssimo apropriada para a lápide de todos os seus heróis.

O CAPITÃO MIHÁLIS
AUTOR Nikos Kazantzákis
TRADUÇÃO Silvia Ricardino
EDITORA Grua
AVALIAÇÃO bom


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