Folha de S. Paulo


'Filme militante é uma tragédia', diz cineasta Eduardo Coutinho

Grande homenageado da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, Eduardo Coutinho renega o cinema como instrumento político de intervenção no que o público pensa ou deveria pensar.

"O filme militante é uma tragédia porque já está escrito antes. Convencer o já convencido é terrível, fazer um filme para convencer alguém é terrível", diz o documentarista paulista à Folha.

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Coutinho, 80, defende um cinema em que questionamentos são mais importantes do que respostas fechadas.

Como é viver num prédio de classe média em Copacabana? Qual é a música da sua vida? O que é ficção e o que é documentário? Morar num lixão é bom ou é ruim?

Essas perguntas acabam respondidas de uma maneira ou de outra --com outras perguntas ou pelo próprio espectador, por exemplo-- nos 22 filmes de sua carreira, tema de uma retrospectiva na mostra deste ano.

Eduardo Anizelli/Folhapress
O cineasta Eduardo Coutinho, no CineSesc da rua Augusta em São Paulo
O cineasta Eduardo Coutinho, no CineSesc da rua Augusta em São Paulo

Entre os mais conhecidos estão "Cabra Marcado para Morrer" (1985), em que a perseguição pela ditadura à equipe de filmagem foi integrada ao produto final, e "Edifício Master" (2002), sobre moradores de um prédio no Rio.

Sua obra é tema do recém-lançado livro "Eduardo Coutinho" (ed. Cosac Naify, 704 págs.), que tenta abarcar a vida e a produção do principal documentarista do país com entrevistas, artigos de especialistas e críticas suas. Coutinho odeia não poder fumar quando bem entende, maniqueísmo e perguntas sem objetividade.

Em entrevista à Folha, ele critica a dominação do cinema dos EUA e a distância entre produção nacional e público.

"O cinema nacional nunca conversou com o público. Isso é tão velho e tão profundo. Mas você também não pode obrigar com metralhadora o público a ir", afirma.

Para ele, as mudanças devem começar a partir da política protecionista ao setor.

"É um absurdo ter filmes que estreiam com 700 cópias". Coutinho critica também filmes com temas amplos.

"Nada 'em geral' existe. Você fazer filme sobre o racismo em geral? O que é isso? Faz sobre um prego, é melhor."

Por outro lado, louva a beleza da expressão corporal em entrevistas e rejeita roteiros, para dar chance ao acaso.

"Hoje ninguém conversa com ninguém. Acredito que posso saber do mundo a partir do contato pessoal. Não preciso mais do que isso."


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