Folha de S. Paulo


Maior colecionador de quadrinhos do Brasil é roubado em São Paulo

Quatro assaltantes levaram cerca de 7.000 revistas de histórias em quadrinhos do acervo de Antônio José da Silva, 63, tido como o maior colecionador do gênero no Brasil. Tom Zé, como ele é conhecido, teve seu escritório na zona sul de São Paulo invadido na tarde do último dia 16.

O aposentado e dois de seus funcionários foram amarrados enquanto os ladrões vasculharam o seu escritório à procura de edições raras de gibis como os primeiros números de "O Lobinho" e de "A Gazetinha", almanaques das décadas de 1930 e 1940 que introduziram no Brasil personagens como Batman e Super-Homem.

"Parte do que foi roubado não se encontra em lugar nenhum", diz Tom Zé, cuja coleção, iniciada há mais de 40 anos, somava cerca de 200 mil exemplares antes do assalto. "Pegaram o que tinha de mais valor. Desconfio que um colecionador tenha encomendado isso."

Uma única edição dos anos 1940 da revista "O Lobinho", como as que foram saqueadas, chega a ser vendida por até R$ 400 em sites de compras. O colecionador tinha 159 delas.

Os ladrões também levaram exemplares das décadas de 1930 a 1950 dos quadrinhos "O Globo Juvenil Mensal", "O Gibi" e "O Correio Universal". Revistas mais recentes foram poupadas, "tirando uma ou outra, que levaram só para disfarçar".

Segundo Tom Zé, no dia anterior ao assalto, uma estudante de nome Juliana se apresentou como interessada em escrever um trabalho sobre os quadrinhos e vasculhou o escritório. "No dia seguinte ela voltou. Quando fomos atender a porta, os quatro assaltantes invadiram. Encheram uma Kombi com tudo o que levaram."

MERCADO DE ORIGINAIS

"Poucas pessoas têm uma coleção tão completa de quadrinhos antigos. Devia ser praticamente tudo o que foi produzido", diz Jal, que preside a Associação dos Cartunistas do Brasil. "O mercado de quadrinhos originais está crescendo. Tem até galeria surgindo para vender esse tipo de coisa."

"São poucos os quadrinhos raros no Brasil. Antigamente, as mães costumavam queimar as revistas dos filhos porque achavam que incitavam o crime e a prostituição", diz Gonçalo Júnior, também colecionador e autor de "A Guerra dos Gibis" (Companhia das Letras, R$ 57). "Hoje tem gente que destrói duplicatas só para que um exemplar único custe mais caro."

Gonçalo estima que apenas a coleção completa das revistas "O Lobinho" possa valer cerca de R$ 100 mil.

"Esse crime parece coisa de gibi", diz Sidney Gusman, editor do site Universo HQ. "É alguém que roubou para si mesmo, porque se for posto à venda, a comunidade de colecionadores vai descobrir."

Em maio de 2012, a casa do cartunista da Folha Laerte também foi invadida. Dois computadores e um disco rígido contendo desenhos do artista foram furtados.

COLECIONADOR DE LONGA DATA

Tom Zé começou a ler histórias em quadrinhos, principalmente de super-heróis, na adolescência.

"Tinha que ser tudo escondido porque os pais naquela época achavam que isso desvirtuava", conta o colecionador, nascido em Cajuru (interior de SP). "Eu ia com os meus amigos
na matinê, no domingo à tarde, e era só lá que a gente podia trocar os gibis."

Aos 20 é que ele passou a colecionar. "Guardava tudo na própria casa, numa edícula. Mas por acaso mulher gosta de gibi na sala? Ela não reclamava muito, mas se incomodava."

Em 1994, ele comprou um sobrado no mesmo bairro para guardar as revistas. Os gibis enchem as prateleiras dos três dormitórios e mais um corredor, lotado de bonecos e pôsteres de super-heróis. "Falavam que eu era louco, que casa é para morar, e não para guardar coisa."

Os exemplares mais antigos ele acabou adquirindo de famílias que queriam se desfazer dos gibis que herdavam. Toda semana ele compra revistinhas novas nas bancas. Mas conta que não lê mais faz 20 anos e que não vende nenhuma. "O hobby é ter a coleção, e não ler as revistas."

Dois funcionários ajudam a manter o local, mas ele não cita o quanto chega a gastar com a manutenção do acervo. Há sete anos, Tom parou de receber pesquisadores interessados em conhecer a sua coleção, com medo de ficar muito visado. "Quando me roubaram foram direto para aquela estante", aponta num dos quartos. "Sabiam exatamente onde estavam os gibis mais antigos."

Seus dois filhos não herdaram o gosto do pai. "Quando eu morrer, nem sei o que farão com tudo isso. Espero que eles guardem tudo para pesquisa."


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