Folha de S. Paulo


Chico Buarque defende privacidade de biografado em artigo em jornal

O músico Chico Buarque entrou na polêmica das biografias não autorizadas e defendeu o direito dos artistas de "preservar sua vida pessoal" em um artigo no jornal "O Globo" desta quarta-feira.

"Pensei que o Roberto Carlos tivesse o direito de preservar sua vida pessoal. Parece que não. Também me disseram que sua biografia é a sincera homenagem de um fã. Lamento pelo autor, que diz ter empenhado 15 anos de sua vida em pesquisas e entrevistas com não sei quantas pessoas, inclusive eu. Só que ele nunca me entrevistou", diz Chico no texto.

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O compositor afirma que o texto de Mário Magalhães sobre o tema o teria levado a escrever sobre o assunto, já que ele teria "forçado a mão" ao sugerir que a lei atual "protege torturadores, assassinos e bandidos em geral".

Como exemplo de que a lei atual é adequada, Chico cita um caso que teria ocorrido com ele: diz que o biógrafo de Roberto Carlos, Paulo César de Araújo, escreveu um livro chamado "Eu Não Sou Cachorro Não" e fez constar no livro que Chico teria dito que Caetano e Gil, então no exílio, denegriam a imagem do país no exterior.

Zanone Fraissat/Folhapress
O cantor Chico Buarque durante show do cantor Carlos Careqa no Sesc Pompeia em julho deste ano
O cantor Chico Buarque durante show do cantor Carlos Careqa no Sesc Pompeia em julho deste ano

"Era impossível eu ter feito tal declaração. O repórter do "JB" [que o procurou para comentar a declaração], que era também prefaciador do livro, disse que a matéria fora colhida no jornal "Última Hora", numa edição de 1971. Procurei saber, e a declaração tinha sido de fato publicada numa coluna chamada Escrache. As fontes do biógrafo e pesquisador eram a "Última Hora", na época ligada aos porões da ditadura, e uma coluna cafajeste chamada Escrache. (...) Talvez ele pudesse me consultar a respeito previamente e tirar suas conclusões. Mas só me procuraram quando o livro estava lançado. Se eu processasse o autor e mandasse recolher o livro, diriam que minha honra tem um preço e que virei censor", afirmou Chico.

No artigo, ele também cita o caso de Gloria Perez, que conseguiu recolher das livrarias um livro feito pelo assassino de sua filha, como caso em que a lei serviu para proteger a privacidade do biografado.

No final, apesar de escrever para um veículo das Organizações Globo, Chico usa a TV Globo para fazer uma análise de como a alcunha de censor pode mudar de lado.

"Nos anos 70 a TV Globo me proibiu. Foi além da Censura, proibiu por conta própria imagens minhas e qualquer menção ao meu nome. Amanhã a TV Globo pode querer me homenagear. Buscará nos arquivos as minhas imagens mais bonitas. Escolherá as melhores cantoras para cantar minhas músicas. Vai precisar da minha autorização. Se eu não der, serei eu o censor", finaliza.

POLÊMICA

A polêmica envolvendo a necessidade de autorização para a publicação de biografias começou após reportagem da Folha noticiar que o cantor Roberto Carlos, que é contrário à publicação de biografias não autorizadas e já tirou de circulação obras sobre sua vida, conseguiu o apoio dos músicos Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Djavan e Erasmo Carlos em seu posicionamento.

Os sete cantores fundaram o grupo Procure Saber, que, segundo a produtora Paula Lavigne, deve entrar na disputa para manter a exigência de autorização prévia para a comercialização dos livros. Lavigne é presidente da diretoria do Procure Saber e porta-voz do grupo.

Do outro lado da discussão, está a Anel (Associação Nacional dos Editores de Livros). A entidade move no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade questionando os dois artigos do Código Civil que impedem a publicação sem a anuência prévia dos biografados ou de seus herdeiros.

Para a Anel, as normas atuais violam a liberdade de expressão e o direito à informação.

"Usar esse argumento para comercializar a vida alheia é pura retórica", diz Lavigne. Ela ressalta que o Procure Saber é contrário à comercialização, e não à publicação, das biografias. "Se alguém quiser escrever uma biografia e publicá-la na internet sem cobrar, tudo bem. O problema é lucrar com isso", afirma.

"Essa diferenciação não existe. Os autores e editores podem produzir o que quiserem, mas não podem ganhar dinheiro com isso?", questiona Gustavo Binenbojm, advogado da Anel. "É uma censura privada. O biografado vira o senhor da história, com monopólio da informação."

Um manifesto divulgado em setembro na Bienal do Rio, assinado por autores como Boris Fausto e Ruy Castro, diz que a proibição às biografias não autorizadas é um "monopólio da história, típico de regimes totalitários".


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