Folha de S. Paulo


Em Frankfurt, Ubaldo critica "população desordeira e parasitária na esfera política" de Brasília

O escritor baiano João Ubaldo Ribeiro não precisava fazer mais que falar de seus livros para agradar ao público que abarrotava o auditório do pavilhão do Brasil na Feira do Livro de Frankfurt neste sábado (12), mas fez: chamou os políticos de "população desordeira e parasitária" e Brasília de "um monumento a ideologias passadas" durante debate com o escritor e diplomata João Almino, arrancando aplausos entusiasmados dos presentes em vários momentos.

Um dos escritores brasileiros mais conhecidos na Alemanha -- onde chegou a morar nos anos 1990 --, Ubaldo protagonizou a mesa mais cheia da programação brasileira nesta edição e terminou "cansado, espantado e meio tonto", cercado de brasileiros e alemães pedindo autógrafos.

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O debate girou o tempo quase todo em torno de Brasília, pelo fato de a cidade ser o cenário dos romances de João Almino, como o recente "Cidade Livre".

"Brasília não é só uma cidade, mas também uma ideia e um mito", disse Almino. "Meus livros não são sobre Brasília como centro de poder, porque essa é a associação imediata. Eu me interessei pela Brasília dos migrantes, daqueles que vieram construir a cidade, busco uma descrição dos problemas enfrentados por essas pessoas."

Ubaldo, no entanto, pediu a palavra para dizer que se sente "péssimo" com Brasília.

"Não me refiro ao que acontece com a população que lá habita nem à população ordeira e trabalhadora, me refiro à população desordeira e parasitária que mora lá, na esfera política, e também à pouca modernidade [do projeto da cidade], que além de tudo teve o efeito colateral de isolar Brasília das grandes multidões reinvidicatórias como agora se viu", disse, referindo-se às manifestações no país em junho, que tiveram mais força no Rio e em São Paulo.

O escritor baiano definiu capital do país como um "monumento a ideologias passadas, algo que hoje não existe e ninguém faria". "Não é à toa que observadores de todas as áreas do mundo a consideram uma má cidade."

Sempre citando a abordagem em seus romances, Almino fez a avaliação de que não é a arquitetura, e sim a dimensão política, que interfere na questão social. "Muita gente viu, na época do regime militar, Brasília como sendo um plano totalitário, um espaço de controle, mas o que vemos é que, à medida que muda o sistema político, muda o comportamento social."

Johan Visbeek/Divulgação
O escritor João Ubaldo Ribeiro (dir.)em debate na Feira de Frankfurt
O escritor João Ubaldo Ribeiro (dir.)em debate na Feira de Frankfurt

Sobre os políticos, Ubaldo disse ainda que os alemães não acreditariam que fosse verdade se lessem os jornais do Brasil. Em seguida, pediu desculpas por levar a discussão para a política.

"Trata-se de um encontro literário, não político. Não quero agredir governo nenhum, só me lembrei do que acontece na política com sua alusão [do mediador] sobre 'subterrâneo']".

Após dar autógrafos por vários minutos, ao final da mesa ("Desculpe, estou só escrevendo meu nome [para ir mais rápido]", disse a uma fã), recebeu jornalistas de vários países e demonstrou desconforto com o tumulto, sem deixar de ser gentil.

"Tenho medo desse negócio de pavilhão, de feira, me perco com facilidade e quero me mandar. Vocês falaram demais em política, até eu falei um pouco. Não esperava ter que falar tanto", disse.

Questionado pela Folha sobre sua avaliação do investimento do governo brasileiro na homenagem ao país na Feira de Frankfurt -- algo que no Brasil divide opiniões --, disse que "esse negócio de [criticar a] 'soft power' [exportação de cultura como forma de fortalecer a imagem de um país no exterior] é uma bobagem."

"O 'soft power' foi inventado pelos Estados Unidos nos anos 1920 e graças a isso aprendemos até a beijar com americanos no cinema. O Brasil nunca apoiou escritor, deveria ter esse compromisso há muito mais tempo. Estamos uns 80 anos atrasados nesse setor".


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