Folha de S. Paulo


Escritor alemão que criticou espionagem é impedido de viajar para os EUA

O escritor alemão nascido na Bulgária Ilija Trojanow, 48, crítico dos sistemas de espionagem da NSA, a agência de segurança nacional dos EUA, afirma ter sido impedido de viajar para o país a partir de Salvador na segunda-feira (30/9) sem motivo aparente.

Em entrevista por telefone à Folha, Trojanow conta que embarcaria da capital baiana, onde fez uma intercâmbio literário, rumo a Denver, nos EUA --onde participaria de um debate acadêmico depois de participar da Bienl do Livro do Rio--, via Miami. Mas, cerca de 45 minutos após apresentar seu passaporte a uma funcionária da companhia aérea American Airlines, foi informado de que não poderia viajar.

Trojanow diz que não lhe foi apresentada justificativa para a recusa --a funcionária somente informou, relata, que o caso dele era "especial". O escritor não embarcou e permanece no Brasil. Ainda nesta terça (1º/10), ele viaja, a partir do Rio, de volta à Europa.

Ilija Trojanow afirma que sua documentação estava toda regular, inclusive o Esta (sigla em inglês para Sistema Eletrônico para Autorização de Viagem), exigência estabelecida por uma lei americana de 2007 para cidadãos de países participantes do Programa de Isenção de Vistos, como a Alemanha, que viajam aos EUA pelo programa.

Autor de "Degelo" (romance sobre o aquecimento global e as mudanças climáticas no planeta ) e "O Colecionador de Mundos", ambos publicados pela Companhia das Letras, Trojanow escreve para jornais da Alemanha, da Áustria e da Suíça.

Há poucas semanas, ele encabeçou, ao lado da escritora Juli Zeh, um manifesto, publicado no jornal alemão "Frankfurter Allgemeiner" cobrando da chanceler alemã Angela Merkel atitudes contra a espionagem dos americanos. "Pela Constituição alemã, ela tem a obrigação de defender os direitos dos cidadãos", disse hoje à reportagem.

Segundo Trojanow, o manifesto foi assinado por cerca de 50 intelectuais alemães e depois foi subscrito por 63 mil pessoas.

Numa espécie de antecipação do tema que agora domina debates pelo mundo, Trojanow e Zeh escreveram há três anos o ensaio "Angriff auf die Freiheit" (ataque à liberdade), que virou best-seller na Alemanha, uma crítica aos sistemas de monitoramento e vigilância que minam as liberdades individuais na sociedade contemporânea.

CAIXA-PRETA

Questionado se suas críticas aos sistemas de espionagem dos EUA motivaram o episódio da segunda-feira, o escritor afirmou: "O curioso dessa experiência é que não tenho certeza de nada, porque vivemos num tempo sem transparência alguma, não há como saber da motivação, não há como protestar contra, não há meios de buscar Justiça. É uma caixa-preta."

Mas faz relação direta entre seu episódio e o caso Snowden. "Acho que essa uma história exemplar de como se opera um Estado dentro do Estado, e é exatamente da ausência de transparência que trata o escândalo Snowden."

Em depoimento sobre o caso ao "Frankfurter Allgemeiner", Trojanow observou: "É mais que irônico que a um autor que levanta a voz contra os perigos da espionagem (...) seja negada a entrada na 'terra dos bravos e livres'".

Em texto para o blog da Companhia das Letras, o autor também trata do tema.

OUTRO LADO

Procurada, a Embaixada dos EUA em Brasília informou que não sabia do assunto e recomendou que a reportagem entrasse em contato com a American Airlines.

A companhia aérea disse que a responsabilidade pela impedimento foi das autoridades americanas. Eis a íntegra da resposta da empresa:

"A American Airlines informa que todos os passageiros em voos internacionais para os Estados Unidos devem ter os documentos apropriados para entrar no país.
O ESTA (Eletronic System for Travel Authorization --programa para passageiros portadores de passaportes de países que não necessitam de visto, como a Alemanha)-- não foi autorizado. Com isso, não foi possível autorizar o embarque do passageiro, e o CBP (Customs and Board Patrol) recomendou que ele procurasse o Consulado dos Estados Unidos para mais informações. A American Airlines cumpre rigorosamente as determinações governamentais. A companhia não tem conhecimento do motivo pelo qual o ESTA foi negado".

Thomas Dorn/Divulgação
O escritor búlgaro-alemão Ilija Trojanow, autor do romance 'Degelo
O escritor búlgaro-alemão Ilija Trojanow, autor do romance 'Degelo'

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