Folha de S. Paulo


Festival de Cinema do Rio começa nesta sexta com cara de Oscar; leia entrevista com Payne

O Festival de Cinema do Rio começa nesta sexta-feira (27) no papel de maior termômetro para o Oscar realizado no Brasil.

Entre os mais de 300 longas, há favoritos em atuação (Sandra Bullock em "Gravidade", Forest Whitaker em "O Mordomo da Casa Branca"), representantes de filmes estrangeiros ("Um Episódio na Vida de um Catador de Ferro-Velho", do bósnio Danis Tanovic) e até nomes certos para a lista de melhor filme.

Caso de "Nebraska", de Alexander Payne, que não deixa de ir à festa da Academia desde 2000, quando foi indicado por "Eleição". Depois disso, todos os longas do americano passaram pelo tapete vermelho do Oscar –com o diretor e roteirista premiado em duas ocasiões pelos roteiros adaptados de "Sideways", em 2005, e "Os Descendentes", ano passado.

Editoria de Arte/Folhapress

Apostar em "Nebraska" é barbada. Aplaudidíssimo em Cannes, o filme rendeu ao veterano Bruce Dern o prêmio de melhor ator do festival.

Apesar do currículo do drama sobre um idoso (Dern) que pede ajuda do filho (Will Forte) para recolher uma quantia em dinheiro em outro Estado, Payne não é um homem obcecado por prêmios.

"Acho que todos os diretores deveriam dar as mãos e gritar: 'Sem prêmios!'", brinca o cineasta em entrevista à Folha. "Só quero fazer parte de um bom ano no cinema."

Não é papo de diretor gente boa. Payne é realmente um dos cineastas mais acessíveis do "show business". Quando foi jurado em Cannes, era o único membro visto em diversas sessões como mero espectador. Faz questão de perguntar quais são os longas preferidos de seus entrevistadores e sempre tem uma história boa para contar.

"Você mora em São Paulo? Meu professor na universidade foi [o pensador americano] Richard Morse (1922-2001), que escreveu 'De Comunidade a Metrópole: Uma Biografia de São Paulo', diz Payne, que se formou em história com ênfase na América Latina, tendo escrito uma tese sobre a cidade de Medellín, onde morou por um ano.

"Era para ficar apenas três meses, mas me apaixonei por uma colombiana", conta.

Ele pode conversar facilmente sobre cinema brasileiro. "De qual período?", diverte-se. "Eu vi muitos filmes de Glauber [Rocha], depois gosto do [Hector] Babenco dos anos 1980. Sou amigo de Walter [Salles]. Adorei 'Cinema, Aspirinas e Urubus'. Eu ajudei também no roteiro de 'Cidade de Deus'. Fiquei um tempo trabalhando com Bráulio Mantovani e eles foram gentis em colocar meu nome nos agradecimentos."

"Nebraska", acredita Payne, deveria até mudar o título para ser lançado no Brasil, em janeiro. "Eu pensei em um título interessante: 'Vidas Secas 2: Nebraska'", surpreende, em português, ao lembrar-se do clássico de Nelson Pereira dos Santos, de 1963. "Estamos falando de um road movie em preto e branco em uma região rural pouco conhecida da maioria da população. Aposto que é um bom título."

FESTIVAL DO RIO
QUANDO desta sexta (27) à 10/10
ONDE Vários cinemas (programação em festivaldorio.com.br )
QUANTO R$ 180 (20 ingressos) ou R$ 400 (50 ingressos)

Leia abaixo a entrevista com o diretor Alexander Payne.

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Folha - Percebi que você adora falar sobre cinema, mas não gosta de conversar sobre seus filmes. É isso mesmo?
Alexander Payne - Sim. Eu não sei o que falar sobre meus filmes. Gosto de ler e ouvir o ponto de vista de outras pessoas sobre minhas obras. Uns falam que "Nebraska" é mais um road movie, outros enxergam a crise econômica nele. Não nego que esses elementos estão lá, mas é como o "maestro" Antonioni costumava falar: "Vocês não percebem que tudo que eu falar sobre meu filme limitará sua visão em vez de expandi-la?". Sei que parece pretensioso, mas estamos no fim do dia e estou cansado, então estou confessando isso para você.

Você tem medo de ser pretensioso?
Muito. Algumas vezes, eu me pego no meio da entrevista pensando sobre minhas respostas: "Que babaca pretensioso" (risos). Mas o que vou fazer? Mudar? Talvez eu vire um diretor recluso para não revelar isso ao mundo. Não tão recluso quanto [o diretor Terrence] Malick.

"Nebraska" é escrito por Bob Nelson, mas você conseguiu colocar seus elementos pessoais?
O filme é bastante íntimo para mim. Eu comecei a pensar nos meus pais, que estão velhos, como eles podem ser irritantes ou como precisamos mimá-los porque estão em um certo período da vida. Estou sempre tentando encontrar maneiras de transformar projetos que assumo mais pessoais para mim. Martin Scorsese não recebe crédito de roteirista, mas mesmo assim você sabe que está vendo um filme dele. "Nebraska" eu apenas mudei alguns elementos para deixá-lo mais "dirigível". Eu recebi crédito de roteirista em "Os Descendentes", mas ele não é tão próximo a mim, porque segui o livro com fidelidade. O que transforma o filme em algo pessoal é o tom e o ritmo.

Você nota sua mudança como diretor ao longo da carreira?
Cada filme é uma foto instantânea de sua vida. Assistir aos meus filmes seria como você olhar para seus textos antigos. Você perguntaria: "Sou eu mesmo?". Sim, mas quando tinha 17 anos. Tudo é você, porque é a mesma pessoa em tempos diferentes.

Você se apaixona facilmente pelos seus personagens?
Sim, gosto de ficar prestando atenção nos personagens secundários e terciários. É isso que dá vitalidade a um filme. Toda vida que é sugerida na tela precisa ser completa. Gosto de passar um tempo com cada um dos personagens. Mas preciso dizer que me apaixono mais pelos atores.

Gosta de trabalhar com os veteranos como Bruce Dern ou com novos atores?
É bom trabalhar com todos. Adoraria trabalhar com Meryl Streep um dia, por que ela é alguém que sabe tirar o máximo do Stradivarius [instrumentos musicais que são sinônimos de excelência]. Gosto de atores como Paul Giamatti, que está chorando em uma cena e, quando eu digo "Corta" e peco para ele girar a cabeça sete graus para noroeste, ele continua chorando e fazendo o que peço. Tudo é técnica.

Você é tão técnico assim, porque não transparece.
Isso é o melhor elogio que posso receber. Sou menos do que outros. Mas é preciso ser rígido nas escolhas. Pensar em cada quadro. Esqueça o preto e branco que uso em "Nebraska". A gramática do cinema que uso é mais elegante possível, como poucos cortes. Faço um pouco de [Jim] Jarmusch, de certa maneira, lembrando "Estranhos no Paraíso".

Irônico, você concorreu com ele em Cannes neste ano.
Não somos concorrentes. Acho que todos os diretores deveriam dar as mãos e gritar: "Sem prêmios! Sem Prêmios!" (risos) A melhor coisa é fazer parte de um bom ano no cinema.

Você ajudou no roteiro de "Cidade de Deus" e escreveu longas como "Jurassic Park 3" e "Eu os Declaro Marido e... Larry", bem diferentes de sua filmografia como diretor. Você gosta de fazer essas experiências?
Acho que eu posso fazer qualquer gênero se o filme for pensado nos personagens e de forma sensível. Os produtores de "Jurassic Park 3", um mês antes de começarem a filmar, notaram que havia um problema no longa e não era com os dinossauros, mas com os humanos. (risos) Então, decidiram me chamar para dar algo mais profundo aos personagens. Eu e meu parceiro, Jim Taylor, fizemos a mesma coisa em "Entrando Numa Fria", mas ninguém nos creditou. Faço mais pelo dinheiro e pelo exercício de imaginação. Ganhei mais em um mês trabalhando em "Jurassic Park 3" do que em todos meus três primeiros filmes.

"NEBRASKA" NO FESTIVAL DO RIO
QUANDO Hoje, às 14h30 e 21h30; amanhã, 14h e 19; e domingo, 14h e 19h
ONDE Estação Botafogo 1 (hoje), Cinepolis Lagoon 5 (amanhã) e Roxy 3 (domingo) - verificar endereços e preços no site festivaldorio.com.br


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