Folha de S. Paulo


Bienal de SP elege a 'seleção brasileira' de suas 30 edições

Quando Waltercio Caldas criou um corredor com caixinhas coloridas de chiclete coladas em um lado da parede e, do outro, as mesmas caixinhas em branco, estava criticando o que chama de "vertiginosidade" das visitas às grandes mostras.

Isso porque quem passa por "Velocidade", instalação que foi montada pela primeira vez há 30 anos numa Bienal de São Paulo, leva gravado na retina uma ilusão de ótica vibrante e ao mesmo tempo efêmera, causada pelo movimento entre os dois campos de cor em paralelo.

"Um estudo dizia que as pessoas ficavam em média 17 segundos diante de uma obra numa exposição", conta Caldas à Folha. "Isso chama a atenção, porque ninguém vê as obras. Olham para a relação entre elas, como uma soma de tudo em 17 segundos."

Esse número pode voltar a estampar cronômetros agora, com a volta desta obra e mais de 200 outras peças de artistas brasileiros que passaram pelas últimas 30 edições da Bienal de São Paulo.

Desde que foi criada em 1951, a mostra paulistana teve quase 6.000 participações de nomes nacionais, um elenco sem dúvida vertiginoso.

Um recorte de 111 desses artistas, seleção do curador Paulo Venancio Filho, vai ocupar o pavilhão da Bienal a partir de sábado numa tentativa de rever as relações entre eles e as correntes históricas que estiveram na mostra.

Editoria de Arte/Folhapress

"Não queria deformar a seleção dando mais nomes de umas ou outras bienais", diz Venancio Filho. "Pensei no conjunto das obras, tentando respeitar equilíbrios."

Nesse ponto, embora tenha escalado nomes da primeira até a última Bienal, Venancio Filho deixou de fora os artistas modernos, que já tinham uma trajetória consolidada antes da criação da mostra, ou seja, descartou a geração da Semana de Arte de 1922.

Seu recorte começa nos anos 1950, momento que muitos historiadores veem como gênese de um projeto artístico e estético de fato nacional, com o início da abstração geométrica, que atinge forma plena no concretismo paulista e logo depois no neoconcretismo dos cariocas.

Numa leitura bastante enciclopédica, às vezes estanque, desses movimentos, Venancio Filho concentra clássicos do construtivismo criado em São Paulo, com obras de Waldemar Cordeiro, Geraldo de Barros e Luiz Sacilotto, num espaço ao lado de alguns nomes fortes da escola carioca, como Lygia Clark, Hélio Oiticica e Ivan Serpa.

Isoladas no último andar e na última sala da mostra, essas peças históricas servem de núcleo duro ou âncora visual para o que veio depois, já que tudo na arte brasileira parece questionar, exaltar ou denunciar esses arroubos geométricos dos concretistas.

De fato, do lado de fora da sala histórica, estão obras que desmancham a austeridade do projeto construtivo.

MOMENTOS DECISIVOS

Enquanto Cildo Meireles aparece com um trabalho em que cria um canto de sala virtual, com paredes pregadas a uma base de madeira, Anna Maria Maiolino mostra um filme mudo em que bocas aparecem sussurrando frases num diálogo impossível.

"É um discurso incoerente, que tem a ver com a época da ditadura", conta Maiolino. "Há uma busca de poder falar e um impedimento. Esse vídeo é como o pai de toda a minha filmografia, ordena tudo o que veio depois."

No caso de Meireles, suas paredes derretendo coincidem com uma transição. "Queria limpar a cabeça, botar ordem nas minhas ideias", diz o artista, lembrando que a peça de 1967 seria exibida pela primeira vez numa mostra censurada pela repressão ainda antes da abertura.

Todo um andar da mostra, aliás, parece estar ocupado com peças de protesto. É a arte pop nacional, de nomes como Claudio Tozzi, Rubens Gerchman e Mauricio Nogueira Lima, que usaram as mesmas estratégias da estética de consumo dos norte-americanos para combater o regime.

Fora dessa estética, mas dentro do pop, a enorme bolha de Marcello Nitsche, agora no vão central do pavilhão, também foi um ato de resistência. "Não adiantava mais usar elementos já existentes, como a Coca-Cola", diz Nitsche. "A bolha era um gesto ampliado, como um rabisco, uma coisa que assustava."

Talvez o enfoque em tempos difíceis tenha a ver com mostrar o que, na visão do curador, seriam os "momentos decisivos" dessa história.

Mesmo no pós-ditadura, quando a fúria arrefece, a seleção da chamada Geração 80, que marca a volta da pintura com artistas como Nuno Ramos, Rodrigo Andrade e Paulo Monteiro, enfatiza o caráter radical de suas telas ultradensas e saturadas de cor.

"Quis reconstituir um momento definitivo", diz Venancio Filho. "É quando não só o artista era importante, mas todo o contexto também era."


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