Folha de S. Paulo


Em cerimônia concorrida, FHC toma posse na Academia Brasileira de Letras

Na cerimônia de posse mais concorrida dos últimos anos na Academia Brasileira de Letras, o sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, 82, assumiu na noite desta terça (10) a cadeira nº 36, sucedendo ao jornalista João de Scantimburgo (1915-2013), morto em março deste ano.

Entre os convidados presentes estavam o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello, o cantor Gilberto Gil e os principais nomes do PSDB, partido do ex-presidente, como o governador Geraldo Alckmin, o senador Aécio Neves e o ex-governador José Serra.

O evento aconteceu no salão nobre do Petit Trianon, o prédio histórico que serve de sede para a Academia, no centro do Rio. Vestindo o tradicional fardão de acadêmico, o ex-presidente iniciou seu discurso falando sobre a "importância dos rituais", como aquele de que tomava parte, e comparou a sucessão na ABL à passagem da tocha olímpica de mão em mão.

"Ao passar os diplomas de uns a outros, seus membros mostram a continuidade do respeito à cultura e às realizações que constroem a história do país. Como não sentir emoção neste ato?", disse o ex-presidente.

"Agradeço, comovido, a honra de me sentar em tão ilustre companhia. Não fosse eu algo treinado em antropologia e não houvesse sido casado por tantas décadas com destacada antropóloga, poderia talvez desconsiderar a importância dos ritos que conformam a existência humana, que são elemento insubstitutível na tessitura da memória, a que nos agarramos na medida em que o tempo nos consome."

Seguindo a praxe, Fernando Henrique também usou seu discurso para homenagear cada um dos ocupantes anteriores da cadeira 36, que tem como patrono o poeta maranhense Teófilo Dias (1854-1889) e foi ocupada por imortais como o poeta e jornalista mineiro Afonso Celso (1860-1938) e o diplomata, filósofo e sociólogo José Guilherme Merquior (1941-1991).

Na segunda metade de sua fala, que durou cerca de uma hora, FHC repassou sua trajetória e suas ideias políticas. "Desenvolvimento, democracia, liberdade e igualdade eram e continuam a ser nossa obsessão. A esses objetivos dediquei meus esforços como intelectual e tentei alcançá-los em minha prática política."

Fez ainda referências elogiosas a outros governantes. "O crescimento da nossa economia, embora nem sempre satisfatório, as pressões dos cidadãos que ansejavam por democracia e o aperfeiçoamento das políticas públicas vêm permitindo uma considerável redução da pobreza e a melhoria das condições de vida. Seria injusto imaginar que tal esforço começou há dez ou há 20 anos, ele vem de mais longe."

Fernando Henrique elogiou os avanços democráticos das últimas décadas, mas também fez ressalvas. "Se a arquitetura institucional está quase acabada, falta o essencial, falta a alma democrática. Nossa cultura de favores e privilégios, de retraimento da responsabilidade pessoal e atribuição de culpa aos outros, principalmente ao governo e às coletividades, desobriga o cidadão a fazer sua parte, a sentir-se comprometido", disse, sendo interrompido por aplausos da plateia.

Ao fim do discurso, FHC assinou o livro de posse e recebeu os tradicionais adereços que compõem o figurino da ABL: o colar com uma medalha, entregue por Nélida Piñon, o diploma de integrante da casa, entregue pelo historiador José Murilo de Carvalho, e a espada, entregue por Eduardo Portela -- que substituiu na função o decano da ABL, José Sarney, que não pôde participar por motivos de saúde.

Terceiro presidente a integrar a Casa de Machado --após Getúlio Vargas (eleito em 1941) e José Sarney (eleito em 1980)-- o novo imortal se junta a dois membros graduados de seu governo, o vice-presidente Marco Maciel, 72 (eleito em 2004), e o ex-Ministro das Relações Exteriores Celso Lafer, 71, eleito em 2006 e responsável por receber o novo integrante da casa.

A próxima eleição na ABL deve acontecer em novembro, para a sucessão do teólogo e escritor Luiz Paulo Horta, morto no mês passado.


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