Folha de S. Paulo


Na Bienal, Ruy Castro apresenta manifesto contra censura a biografias

Já tradicional em eventos literários no país, a discussão em torno das dificuldades de se publicar uma biografia no Brasil acabou ocorrendo no Placar Literário, espaço reservado para discussões sobre literatura e futebol, nesta edição da Bienal do Livro Rio, no início da noite deste sábado (7).

O debate "A Vida Proibida do Craque", com o jornalista Ruy Castro, autor da biografia de Garrincha "Estrela Solitária" (Companhia das Letras), e o deputado estadual Alessandro Molon (PT), mediado pelo biógrafo Paulo César de Araújo, começou com a leitura de um "Manifesto dos Intelectuais Brasileiros contra a Censura a Biografias".

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O texto, assinado por 47 nomes, incluindo o historiador Bóris Fausto, o escritor Cristovao Tezza, o poeta Ferreira Gullar, o cineasta Nelson Pereira dos Santos e o jornalista e escritor Carlos Heitor Cony, é uma resposta à suspensão, ocorrida em abril no Congresso, da tramitação do projeto de lei que libera a publicação de biografias sem autorização dos retratados.

"A ninguém é dado impedir a livre expressão intelectual ou artística de outro, garantia consagrada na Constituição democrática de 1988, que baniu definitivamente a censura entre nós. Por isso, não faz sentido exigir o consentimento prévio da personalidade cuja trajetória um autor ou historiador pretende relatar", diz o manifesto, lembrando que "o Brasil é a única grande democracia na qual a publicação de biografias de personalidades públicas depende de prévia autorização do biografado".

O texto levanta consequências dessa limitação, como "criar um balcão de negócios de valores vultuosos, em que informações sobre a nossa história são vendidas como mercadorias" e impedir a "construção da memória coletiva do país".

Por fim, lembra que "a dispensa do consentimento prévio do biografado não confere ao autor imunidade sobre as consequências do que escrever. Em casos de abuso de direito, uso de informação falsa e ofensiva à honra, a lei já contém os mecanismos inibidores e as punições adequadas à proteção dos direitos da personalidade".

A lista de signatários inclui ainda, entre outros, os historiadores Alberto Costa e Silva e Mary del Priore e os escritores Ana Maria Machado, Nélida Piñon e Milton Hatoum.

O mediador Paulo César de Araújo, cuja biografia sobre Roberto Carlos se tornou notória ao ter a comercialização interrompida depois que o músico entrou na Justiça contra ela, argumentou que o Rei agora passou de alguém que não queria ser biografado a um militante contra a liberdade de expressão.

"Em julho, ele esteve numa manifestação contra o Ecad em Brasília, e conseguiu, num único dia, fazer o tal projeto do Ecad passar pela Comissão de Justiça, pular a Comissão de Educação e Cultura, ser levado a plenário e aprovado. Tudo isso num único dia. Você vê a influência que ele tem, e agora ele milita contra as biografias."

Ruy Castro comentou as dificuldades que enfrentou após concluir sua biografia sobre Garrincha, nos anos 1990.

"Passei três anos conversando com familiares, e, na véspera de o livro sair, o 'Fantástico' fez uma reportagem sobre ele. No dia seguinte pela manhã, apareceu um advogado dizendo que a biografia era caluniosa e pedindo R$ 1 milhão. Se a editora pagasse R$ 1 milhão, os herdeiros esqueceriam qualquer calúnia", contou.

O deputado Alessandro Molon incentivou as pessoas presentes no público a se manifestarem, mandando mensagens para deputados. "O risco é só publicarem no Brasil biografias cor de rosa, em que o biografado esteja plenamente satisfeito com o que esteja escrito, de forma que não saberemos as histórias reais", disse.

AUTORES INDEPENDENTES

O manifesto lido por Ruy Castro não foi o único na Bienal do Livro neste 7 de Setembro, em que protestos aconteceram em diversas cidades do país.

Um grupo de cerca de 30 pessoas circulou durante a tarde pelos corredores do evento no Riocentro com cartazes como "Ei, você mesmo, não disfarça, olha para mim, eu sou autor!" e "Eu quero tchu, tcha, e mais espaço nas livrarias".

Tratava-se de um manifesto de autores independentes, programado fazia mais de um mês no Facebook, em busca de um lugar entre os best-sellers no coração dos leitores.


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