Folha de S. Paulo


Em carta, setores culturais criticam uso da Lei Rouanet para desfile de grife de luxo

Oito entidades ligadas a setores culturais enviaram, anteontem (5/9), uma carta ao Ministério da Cultura criticando a aprovação do projeto que autoriza o estilista Pedro Lourenço a captar, via Lei Rouanet, R$ 2,8 milhões para a realização de desfiles em Paris.

O documento, endereçado à ministra Marta Suplicy e cujo teor a Folha teve acesso, relata a "preocupação" dos signatários com a "ampliação de foco que a Lei Rouanet passa a apresentar a partir desse episódio" [a aprovação do projeto].

Setores culturais reagem ao uso da lei Rouanet na moda
Marta Suplicy: Moda é cultura
Ministra Marta Suplicy libera Lei Rouanet para desfile de grife de luxo na França

A ampliação, de acordo com as entidades, abriria precedente para que "numerosos empreendimentos de mesmo perfil, incluindo os de grande porte", recebessem o incentivo fiscal.

Apesar de reconhecerem a importância do setor para a economia e sociedade brasileiras, "com seu potencial de geração de empregos, inovação e vetor da identidade nacional", eles não acreditam que a moda possa ser transformada em manifestação artístico-cultural e pedem um encontro com Marta para debater o assunto.

O texto é assinado pelo movimento Mobilização Dança, APTR (Associação dos Produtores Teatrais do Rio de Janeiro), APTI (Associação de Produtores Teatrais Independentes), ABEART (Associação Brasileira dos Empresários Artísticos), ABRAPE (Associação Brasileira de Promotores de Eventos), CBEC (Conselho Brasileiro de Entidades Culturais), Sated (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão de São Paulo) e Sinap-Esp (Sindicato Nacional dos Artistas Plásticos).

LEGALIDADE

Em reunião com representantes do setor da moda, semana passada, na sede da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil de Confecção), o secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, Henilton Menezes, afirmou que a CGU (Controladoria Geral da União) irá publicar um relatório no qual legitima a decisão da ministra em aprovar projetos de desfiles.

No último dia 22, foi revelado que, mesmo após a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura --órgão que delibera sobre os pleitos inscritos na Lei Rouanet-- ter indeferido o projeto de desfiles de Lourenço na Semana de Moda de Paris, Marta reverteu a decisão e aprovou o projeto.

No mesmo dia, Alexandre Herchcovitch e Ronaldo Fraga também foram autorizados pela ministra a captar recursos, via Lei Rouanet, para seus próximos desfiles.

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Leia trechos da carta enviada ao MinC por representantes dos setores culturais:

"Prezada ministra, foi com grande surpresa e preocupação que os artistas e entidades culturais abaixo listados receberam a notícia de que um projeto de desfile de Moda, que acontecerá em Paris, foi habilitado a fazer uso dos benefícios fiscais da Lei Federal 8.313/91."

"Naturalmente, ninguém ignora a grande importância desse segmento para a sociedade e economia brasileiras com o seu potencial de geração de empregos, inovação e vetor da identidade nacional, o que lhe garante um lugar de destaque nas indústrias criativas, entretanto, em nossa opinião, tais atributos não são suficientes para transformar a extensa cadeia produtiva do mercado de Moda, de ponta a ponta, em manifestações artístico-culturais, condição indispensável para o uso da Lei Federal 8.313/91."

"Mais preocupante, porém, é a enorme ampliação de foco que a Lei Rouanet passa a apresentar a partir desse episódio, abrindo uma via para numerosos empreendimentos de mesmo perfil, incluindo os de grande porte. Fornece também um precedente para outros segmentos em situação análoga, pertencentes às indústrias criativas, porém, sem que necessariamente façam parte da produção artístico cultural, como feiras, exposições e etc."

"Tendo tudo isso em vista, solicitamos à V.Exa. um encontro com as entidades signatárias deste documento, para que possamos avançar nessa pauta de decisiva importância para a produção cultural brasileira."


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