Folha de S. Paulo


Artista sul-africano leva animações artesanais e desenhos à Pinacoteca do Estado

Um dos mais prestigiados artistas contemporâneos, o sul-africano William Kentridge, 58, realiza sua obra na contramão dos grandes avanços tecnológicos do cinema digital e de sofisticados efeitos especiais.

O artista se tornou uma referência internacional com um cinema de animação quase tão rudimentar quanto o do precursor do cinema Georges Méliès (1861-1938).

Leia a íntegra da entrevista com o artista sul-africano William Kentridge

O próprio Kentridge denomina o resultado do seu trabalho, feito com jornais, carvão, giz e tesoura, de "cinema da idade da pedra".

William Kentridge
Cena da animação 'História da Queixa Principal', de William Kentridge
Cena da animação 'História da Queixa Principal', de William Kentridge

"Minha obra é artesanal não apenas porque ela é basicamente feita com técnicas simples, mas também para deixar claro ao observador a possibilidade de se trabalhar com materiais simples e que estão próximos", disse Kentridge à Folha, na montagem de sua exposição, "Fortuna", aberta no último sábado, na Pinacoteca do Estado.

Com curadoria de Lilian Tone, a exposição, que já passou pelo Instituto Moreira Sales, no Rio, e pela Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, encerra sua temporada brasileira com versão mais ampla que as anteriores.

TUDO É RELATIVO

Inédita no país, "A Recusa do Tempo", montada no octógono da Pinacoteca, foi uma das obras mais comentadas da última edição da Documenta de Kassel, na Alemanha, no ano passado.

A instalação é composta por cinco projeções de cerca de 2,5 m x 2 m cada uma, vistas nas paredes do octógono. As imagens, por conta de o espaço ter sido totalmente escurecido para a obra, envolvem o espectador.

"A Recusa do Tempo" levou dois anos para ser feita. Trata de uma questão central na obra de Kentridge: a relatividade das convenções.

"Para mim, interessa olhar situações que parecem naturais, mas que, na verdade, são nossas próprias construções", conta o artista.

No caso, a instalação aborda a demarcação do meridiano de Greenwich, no final do século 19, como padrão para os fusos horários no globo terrestre e, em decorrência, a "globalização do tempo", segundo Kentridge.

Contudo, longe de ser uma obra ilustrativa, "A Recusa do Tempo" é uma experiência criada a partir de diversos aparelhos que medem o tempo e se potencializa nas composições de Philip Miller, parceiro do artista na maioria das obras expostas na Pinacoteca.

METAMORFOSE

A mostra reúne ainda 38 desenhos, 27 filmes e animações, 184 gravuras e dez esculturas que dão conta da trajetória de Kentridge nos últimos 25 anos.

Um dos elementos recorrentes no conjunto é a ideia de metamorfose. "Em todas as animações eu me interesso em mostrar ao mundo como elas estão em um estado de transformação, não são um fato fixo. Eu me interesso mais pelo processo do que pelos fatos", explica Kentridge.

William Kentridge
Desenho para o filme 'Stereoscope', de William Kentridge
Desenho para o filme 'Stereoscope', de William Kentridge

A postura fluida e mutante na obra tem relação com uma crença em princípios democráticos. "Para mim, toda reivindicação por certeza, seja política ou artística, tem uma intenção autoritária por trás", diz Kentridge, que cresceu no regime do apartheid --seu pai foi um dos advogados defensores de Nelson Mandela.

Acompanha a exposição, ainda, a publicação de um "flipbook", um livro que, quando folheado, gera imagens em movimento. "De como não fui Ministro d'Estado", à venda por R$ 50, é uma intervenção de Kentridge em uma edição antiga de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis.

"Eu me identifiquei com esse livro", diz o artista, que aparece caminhando em meio às suas páginas.

WILLIAM KENTRIDGE - FORTUNA
QUANDO de ter. a dom., das 10h às 18h; qui. até 22h; até 17/11
ONDE Pinacoteca do Estado (praça da Luz, 2, SP, tel. 3324-1000)
QUANTO R$ 6
CLASSIFICAÇÃO livre


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