Folha de S. Paulo


Filme grego sobre incesto e prostituição familiar choca e é vaiado em Veneza

Ser vaiado em um festival de Cinema nem sempre é um mau sinal. "A Árvore da Vida", de Terrence Malick, foi brindado por vaias em Cannes e faturou a Palma de Ouro. O mesmo pode acontecer com o filme grego "Miss Violence", de Alexandros Avranas, apupado por alguns jornalistas em sua primeira sessão no Festival de Veneza, neste domingo (1º).

Mas as razões para as vaias (os aplausos existiram em bom número) transitam mais no campo ético do que no estético em "Miss Violence". O drama é um pesado jogo de dominó sobre incesto e prostituição infantil que vai sendo derrubado até atingir quase o insuportável --o que deve ferir os sentimentos de boa parte do público.

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"Miss Violence" começa de forma acachapante: no meio da festa por seu aniversário de 11 anos, a menina Angeliki (Chloe Bolota) pula sem a menor cerimônia da varanda do apartamento. O que vem a seguir é ainda mais estranho. A família parece pouco afetada pelo caso, chegando até mesmo a usá-lo para conseguir certos benefícios ou desculpas por comportamentos erráticos.

Sua mãe, Eleni (Eleni Roussinou), está mais preocupada com seu bebê de pai desconhecido, o avô (Themis Panou) só pensa na educação rígida, quase militar de seus netos pequenos, Alkmini (Kalliopi Zontanou) e Filippos (Konstantinos Athanasiades). A avó (Reni Pittaki) parece inerte a emoções. Apenas a menina do meio, a adolescente Myrto (Sissy Toumasi), parece sentir algo --talvez por ser apenas um pouco mais velha que a irmã morta.

Aos poucos, o véu de normalidade da família vai saindo da frente e a sujeira transborda mostrando como o avô, na verdade, é um gigolô, usando as netas --que podem ser filhas, já que fica explícito que há abuso sexual--, como prostitutas rasas e a mulher como saco de pancadas.

O filme choca mais pelo tratamento do velho em assuntos banais humilhantes do que em sequências gráficas que revelam seu segredo. Em determinado momento, ao ouvir que o neto seria um pouco agressivo na escola, ele obriga o menino a levar uma dezena de tapas da irmã sem reagir.

Alexandros Avranas traça um paralelo entre a família e a crise financeira da Grécia. Há doses fartas de críticas sociais, apesar do cineasta negar. "Não é uma metáfora, mas um símbolo de uma sociedade moderna doente. O filme tem um grande respeito pelos seres humanos, que parecem ser esquecidos numa crise que vai além da econômica, mas moral", conta o grego. "Confesso que deixei tudo para trás, moral, política e preocupação social", completa o ator Themis Panou, aterrorizante no papel. "Construí meu personagem pensando em um homem que sente prazer em ter poder sobre as pessoas que ama."


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