Folha de S. Paulo


Antiga estrela do humor retorna aos palcos em clima sombrio

Em 2005, David Chappelle era o comediante mais popular dos Estados Unidos. Então ele deixou o emprego e se tornou uma figura muito mais singular: renegado para alguns, lunático para outros, mas principalmente um enigma.

Agora ele está fazendo uma espécie de retorno --Chappelle é a atração principal do Oddball Comedy and Curiosity Festival, nova turnê de 15 cidades produzida pelo site Funny or Die Web. O que torna isso especialmente animador é que ele usa sua mística duramente conquistada para fazer uma arte mais ousada e pessoal.

Chappelle não deixou simplesmente um contrato de US$ 50 milhões e o aclamado "Chappelle's Show" na Comedy Central. Ele o fez de maneira dramática, fugindo para a África do Sul e explicando sua saída em termos morais: "Eu quero ter certeza de que estou dançando, não arrastando os pés", disse à revista "Time". Desde então, tem sido um astro distante em uma era em que os comediantes nunca estiveram mais acessíveis.

Chappelle não deu entrevistas recentes (a não ser em uma participação no rádio em 2011) ou apareceu em programas de entrevistas. Ele nem sequer tem um site.

Mas Chappelle voltou cuidadosamente a se apresentar em público no ano passado. Enquanto se mantém afastado do cinema e da televisão, surge com frequência em clubes de comédia e em alguns teatros, geralmente em aparições-surpresa que geram mais rumores de um retorno. Além do Oddball Festival, Chris Rock disse que Chappelle poderá entrar em sua turnê de stand-up no ano que vem.

Em março, seu show em San Francisco foi carismático, embora caótico: livre e cheio de improvisações e de trabalho de grupo. Porém, em junho, seu número foi muito diferente: polido, tematicamente unificado e menos improvisado.

Seu estilo característico de entregar a piada com atraso e seu timing preciso estiveram a serviço de piadas que eram mais obscuras, intricadas e reveladoras que seu stand-up de dez anos atrás.

Ver Chappelle evoluir no palco foi um lembrete de que ele não deixou a comédia, mas voltou para o formato ao vivo que praticou durante um quarto de século.

Quando Chappelle subiu no palco para o primeiro de dois shows em Richmond, na Virgínia, em junho, ele parecia frágil. "Eu quase não consegui fazer", disse ele, explicando que foi para o aeroporto antes de comprar a passagem.

Chappelle sempre apresentou piadas com um estilo de improviso quase decepcionante, estabelecendo uma conexão com seus ouvintes enquanto também os provocava. Insinuando-se para o público com o jeito caloroso de um velho amigo, ele gosta de parar no meio da frase para confessar que provavelmente não deveria continuar ou olha ao redor de modo conspirador, como se estivesse prestes a divulgar um segredo.

Mas, conforme o perfil de seu público mudava, ele seduzia de novas maneiras. Um excêntrico que perdeu o destaque sob os refletores, Chappelle se apresenta como um melancólico em uma espécie de turbilhão. Ele começa as piadas colocando você dentro de sua mente torturada.

"Estou em um daqueles maus humores", disse no auge de uma história. Em uma espécie de sentença tópica de seu novo espetáculo, ele coçou a cabeça calva, temendo que não tivesse mais uma mensagem para transmitir. Então Chappelle congelou, estendendo os braços hoje musculosos com as palmas das mãos viradas para cima, como se tivesse sofrido uma iluminação. "Talvez minha mensagem seja de desesperança."

Chappelle não é só tristeza e maldição. Ele ainda consegue risos consistentes, mas os mais explosivos surgem desse clima sombrio. Chappelle sempre foi hábil com esse ritmo. Em seu último especial de stand-up, "For What It's Worth", de 2004 no canal Showtime, ele descreveu que foi a um colégio para dizer aos estudantes que a única maneira de sair do gueto era se concentrar e parar de acusar os brancos. Então ele gaguejou estrategicamente antes de entrar na piada: "Vocês têm de aprender a fazer rap ou jogar basquete ou alguma outra coisa", disse. "É isso ou vender crack."

O que mudou desde aquele especial é que hoje suas piadas sempre parecem circular de volta para sua infame saída da Comedy Central, explicitamente ou, com maior frequência, implicitamente. Por exemplo, Chappelle encena uma piada que parece uma peça elaborada, de vários atos, sobre como seu filho, seguindo seu conselho, deixou um programa extracurricular de que não gostava. "Filho, às vezes é ok sair", foi o título que ele cunhou para sua palestra paterna.

Em 2006, Chappelle deu entrevistas no "Oprah Winfrey Show" e no "Inside the Actors Studio" e contou uma história sobre a luta para ser livre em Hollywood. "Vou encontrar uma maneira de ser eu mesmo", disse no segundo programa.

Hoje seu tom é menos desafiador, às vezes até humilde. Em vez de se explicar, ele dramatiza sua própria confusão e depois a torna engraçada. Em uma história, depois de lutar para encontrar algum conselho de vida para dar aos estudantes, ele decide: "Não abandone seu programa".


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