Folha de S. Paulo


Novo apresentador do 'Roda Viva' diz que não há 'índex de entrevistados'

"A TV é assustadora para quem é entrevistado. Acende aquela luzinha e você vê que o sujeito mais desenvolto do mundo fica encolhido", diz o jornalista Augusto Nunes, 63.

Nunes submete hoje o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr. à luzinha que indica transmissão "ao vivo" do "Roda Viva", na TV Cultura, para falar do mensalão.

A edição marca a reestreia de Nunes como apresentador do principal programa de entrevistas da emissora, que ele conduziu entre 1987 e 1989 e cuja fórmula quer mudar.

"Acho que a gente tem que mostrar em vídeo as contradições do entrevistado. Se o cara começa a dizer o contrário do que já disse antes por circunstâncias, você tem o dever de dizer: 'Um minutinho, tem uma declaração do sr. que não bate'. Mostra o vídeo e deixa o cara se explicar."

Na opinião do jornalista, que hoje é colaborador da revista "Veja", na qual já foi redator-chefe, falta contundência aos repórteres nacionais.

"O brasileiro berra elogio: 'Você é ótimo!'. E não consegue fazer as perguntas que devem ser feitas", afirma.

Embora pretenda apresentar um "Roda Viva" vibrante, Nunes diz que não é seu "papel, como apresentador, colecionar duelos verbais com entrevistados". A tarefa que lhe cabe, diz, "é garantir espaço para todos e conduzir a conversa, fechando buracos eventuais em respostas".

Na entrevista a seguir, ele revela que seu entrevistado ideal para o programa de hoje era o ex-presidente Lula, que não respondeu ao convite, e comenta a polêmica edição pós-eleitoral do "Roda Viva" com José Dirceu, em que ele estava na bancada.

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Folha- Qual é o grau de autonomia do apresentador do "Roda Viva" na definição dos entrevistados do programa?
Augusto Nunes - Você tem inteira autonomia para escolher os convidados. Sempre conversei com a direção da empresa, para garantir o equilíbrio nos convites, para você não passar a impressão de que está fazendo convites numa direção só ou esquecendo de abordar determinadas áreas. Nunca ouvi nenhum veto. Nem vou ouvir, evidentemente.
Desta vez começamos convidando a presidente Dilma e o ex-presidente Lula. Não há nenhum índex quanto a entrevistados e, mais importante, quanto a entrevistadores.
É importante ter uma bancada convincente, com jornalistas independentes. Digo independência intelectual, gente que não tenha compromisso com o erro. Também não há critério de idade, [convidaremos] jornalistas de todas as gerações.

O desafio de garantir o equilíbrio tende a ser maior em 2014, ano eleitoral. Como o sr. pretende lidar com isso?
É difícil escapar de temas políticos. Essa é a expectativa dos que acompanham o programa. Se a gente começar a ouvir quem não tem nada a dizer sobre política, o programa vai ficar sob suspeita de não querer comentar a eleição. A gente sabe como é essa história de teoria conspiratória.

É fundamental convidar uma Eva Wilma, um Cesar Cielo, o Felipão, mas, à medida em que as coisas se afunilem, é preciso chamar nomes da política.

Qual foi o critério para a definição do primeiro entrevistado, o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr.?
Vamos começar com o Miguel Reale por causa do mensalão. É um ex-ministro da Justiça e tem posições definidas sobre o mensalão.
Vamos fazer essa entrevista com quem escreveu sobre o mensalão. Teremos a participação do [historiador] Marco Antonio Villa, que escreveu enfaticamente contra os réus do mensalão, e de Paulo Moreira Leite ["IstoÉ"], que foi mais brando com os réus.

Também tem o Merval Pereira ["O Globo"], que escreveu sobre isso e vai pelo caminho do meio. E representantes dos dois grandes jornais, Vera Magalhães [Folha] e Sonia Racy ["O Estado de S.Paulo"].

Sem nenhum demérito ao Reale Jr., claro que eu preferiria começar com Lula. Nós o convidamos, mas ele não respondeu.

O convite a José Dirceu para o "Roda Viva" subsequente à vitória da presidente Dilma na eleição de 2010 é apontado como o ponto de atrito que azedou a relação entre o então presidente da TV Cultura, João Sayad, e o governador Geraldo Alckmin (PSDB). Acha que foi acertado o convite a Dirceu?
Acho que foi certo o convite. Digo com a maior honestidade: se houve reação [do governador], não chegou a mim. Houve reação de todo tipo. O pessoal do José Dirceu achou que alguns entrevistadores fizeram perguntas muito agressivas. Uns acharam que eu fui derrotado pelo José Dirceu [Nunes integrou a bancada do programa].

Do lado do governo estadual, você tinha gente que achava que o Dirceu tinha perdido pontos para burro e gente que achava que não se devia dar espaço ao réu de um processo importante.
Isso chegou a mim na forma de opinião. Pressão não vi nenhuma. Agora, eu não tinha intimidade com Sayad para ele me fazer confidências. Se houve isso, não posso dizer.
Mas o convite foi correto. E acho que a entrevista foi muito boa. A melhor entrevista é a que tem esse tipo de repercussão.

Quando o sr. declarou ao jornal "O Globo" que o "Roda Viva" deveria se aproximar do "CQC" falava sério ou fazia piada?
O "Roda Viva" se consolidou como programa respeitado porque mostrou como é uma entrevista coletiva bem feita. Ele surgiu em 1986. O Brasil estava na infância da democracia. Então, viu-se ali como é uma discussão, o convívio dos contrários. Essa fórmula agora não basta.

As perguntas que devem ser feitas hoje são feitas em humorísticos. É o "CQC" que fala de corrupção. Acho que, com naturalidade, um programa como o "Roda Viva" tem que incorporar isso.
Você não pode falar com [o governador do Rio de Janeiro Sérgio] Cabral [PMDB] sem falar com crueza sobre os voos de helicóptero do cachorro Juquinha e os contratos [sob suspeita de irregularidade] com [o empreiteiro Fernando] Cavendish [da Delta].

Não ouvi nenhuma menção aos passeios de helicóptero do Juquinha em entrevistas com Sérgio Cabral. Ninguém pergunta.

Você entrevista o Cabral e trata daquelas manifestações na casa dele como se fosse uma combustão espontânea. Tem que mostrar as origens! Está na hora de jornalista fazer as perguntas com educação e sem medo.

Na sua opinião os jornalistas brasileiros têm medo de que exatamente?
Acho que há uma confusão entre sinceridade e falta de educação. Ser sincero não significa que você está sendo grosseiro. Pode-se discutir a forma e o tom da discussão entre [o ministro do STF Ricardo] Lewandowisk e [o presidente do STF] Joaquim Barbosa.

Mas não tem que ficar chocado com o uso da palavra "chicana". Se você for ao dicionário é isso mesmo que o Lewandowisk tem feito, chicana [dificuldade criada, no curso de um processo judicial, pela apresentação de um argumento com base num detalhe ou num ponto irrelevante, segundo o Aurélio].

O engraçado é que você está vendo uma cena que lembra de alguma forma uma briga de botequim, e os dois se chamando de vossa excelência. [No "Roda Viva"] Não tem que ser sisudo. Não tem vossa excelência.

Que momentos do "Roda Viva" o sr. considera memoráveis?
Sempre me lembro da entrevista com a Hebe [Camargo, 1929-2012, em 1987]. A gente conseguiu fazer com que ela chegasse ao limite da sinceridade.

Ela chorou. Tinha vergonha de ter a imagem de mal informada, ignorante. Foi um monólogo de 14 minutos num programa de entrevistas. Foi muito comovente.

Um momento inesquecível mas ruim foi a briga do [ex-governador Orestes] Quércia [1938-2010] com o [jornalista] Rui Xavier [em 1994]. O tipo da coisa que não se deve fazer. Rui errou não no conteúdo, mas na forma.

Aquilo só não foi às chamadas vias de fato porque eles ficam enroscados em fios no estúdio. Isso cabe ao apresentador dar um jeito.

Não é esse tipo de programa que me agrada. Eu gosto quando você faz o cara ser sincero. O rosto é informação. Se a câmera pega a resposta do cara mentindo, está escrito [na cara dele]: "Estou mentindo".

Em 1989, apresentei as entrevistas [dos candidatos à Presidência] Collor e Lula.

Collor estava bem, era "o caçador de marajás". Clóvis Rossi [da Folha] fez uma pergunta num tom tranquilo, mas tão contundente, mostrando que aquilo era uma farsa que o Collor ficou pálido. O rosto dele desmentia a resposta. Esses são os momentos que me encantam.

O "Roda Viva não quer ganhar a briga com o entrevistado. Ele quer que o espectador saiba quem é aquele cara.

Ao anunciar sua volta ao comando do "Roda Viva", o presidente da TV Cultura, Marcos Mendonça, disse que dispensou seu antecessor, Mario Sergio Conti, porque ele recebia um alto salário. O que achou desse episódio?
O que eu vou ganhar é menos do que eu mereço e mais do que eu preciso. Está bom para mim.


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