Folha de S. Paulo


Carlos A. C. Lemos lembra que preservar a arquitetura não é ser saudosista

Falar aos leigos é uma vocação de Carlos A. C. Lemos. Ele é, por exemplo, o homem que definiu, nos livrinhos da marcante coleção Primeiros Passos, "O que É Arquitetura" e "O que É Patrimônio Histórico".

Mas, ainda antes da série da Brasiliense, desde o fim dos anos 1950, ele tem praticado, com discurso claro, a defesa dos "bens da cultura material", em artigos como os agora reunidos em "Da Taipa ao Concreto".

Crítica: Carlos A. C. Lemos defende patrimônio de SP de forma simples e profunda

Arquiteto (foi braço direito de Niemeyer em São Paulo, capitaneando a construção do Copan) e professor de história da arquitetura da FAU-USP (ainda ativo na pós-graduação), Lemos expressa sua preocupação com a dificuldade do público geral em ver a história não como algo passado, mas como um contínuo.

Eduardo Knapp/Folhapress
Carlos Lemos na Vila Penteado (1902), casa 'art nouveau' que abriga a pós-graduação da FAU-USP
Carlos Lemos na Vila Penteado (1902), casa 'art nouveau' que abriga a pós-graduação da FAU-USP

"É a coisa mais complicada do mundo", diz à Folha. "Tem gente que não entende a importância do patrimônio, por que aquilo foi escolhido para ser tombado. As pessoas têm tendência a 'gostar' do antigo. Mas há coisas importantíssimas de hoje que passam despercebidas, deixam derrubar."

Para o professor, que foi o primeiro arquiteto a atuar no Condephaat (órgão criado em 1968 para proteger o patrimônio em São Paulo), dois aspectos contribuem para a percepção falha de que a construção da memória é um processo cotidiano.

Um é o que ele chama "fatalidade americana": o fato de que a população do continente se compõe, até hoje, de ondas de migração distintas. "Imigrantes diferentes pensam diferente, têm saudades diferentes, têm juízos de valor diferentes."

O outro se origina, ironicamente, das políticas de preservação do patrimônio no país, com a criação, em 1937, do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan, hoje Iphan).

"Essa palavra 'nacional' foi traduzida como 'brasileiro'", explica. Assim, o período entre a taipa colonial e o concreto modernista, aquele da arquitetura eclética de origem italiana que marcou São Paulo entre o século 19 e o 20, teria sido menosprezado pela noção vigente no órgão, apesar da excelência de colaboradores como Lucio Costa (1902-1998).

"Lucio Costa, pessoa extremamente importante da história da arquitetura brasileira, foi partícipe desse desleixo em relação à memória dos imigrantes", lamenta Lemos --que, porém, refuta o saudosismo.

"Tem muita gente exagerada que não entende que o progresso tem de se instalar inclusive nos monumentos. É o continente que se adequa ao conteúdo. Seria uma estultice exigir que uma construção antiga permaneça como era. Ela fica sem uso e, quando não usa, estraga."


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