Folha de S. Paulo


Crítica: Policial brasileiro criado por escritor americano não convence

O setor incorruptível de nossa Polícia Federal está de luto. O país perdeu um eficiente investigador. Após seis conturbadas missões, Mario Silva aposentou-se. Saiu de cena. A contragosto.

E saiu de cena porque o romancista norte-americano Leighton Gage, autor da série "Chief Inspector Mario Silva Investigations", morreu no final de julho. Não se alarmem. Foi uma morte natural, sem crime. Aos 71 anos.

Os romances não foram lançados no Brasil. Então, por estas bandas, bem poucos sabem que na galeria tupiniquim de investigadores, ao lado do delegado Espinosa, de Luiz Alfredo Garcia-Roza, e do investigador Venício, de Joaquim Nogueira, está o incorruptível Mario Silva.

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O escritor americano Leighton Gage, que escreveu livros policiais baseados no Brasil
O escritor americano Leighton Gage, que escreveu livros policiais baseados no Brasil

Em sua primeira missão ("Blood of the Wicked", de 2008), Silva envolveu-se com militantes sem-terra, latifundiários e o assassinato de um bispo católico. Na seguinte ("Buried Strangers", 2009), investigou as ossadas encontradas num cemitério clandestino de São Paulo. O próximo caso ("Dying Gasp", 2010), levou o investigador a Manaus, na captura de um produtor de "snuff movies".

No romance seguinte ("Every Bitter Thing", 2010), Silva foi escalado para investigar vários assassinatos, todos relacionados a um voo de Miami para São Paulo. A quinta missão ("A Vine in the Blood", 2011) foi desvendar o sequestro da mãe de nosso maior craque, às vésperas da Copa do Mundo no Brasil.

Leighton Gage (1942-2013) conhecia bem nossa sociedade. Morou em São Paulo por mais de 20 anos (entre os anos 70 e 90), casando-se com uma brasileira. Também morou na Argentina, na Alemanha e em outros países.

Mas antes da carreira literária veio a carreira publicitária. Gage foi um diretor de criação talentoso. Recebeu dezenas de prêmios e participou de júris internacionais.

PERSONAGENS DEMAIS

Em "Perfect Hatred", publicado neste ano, todos os elementos da ficção de Gage estão de volta: a prosa transparente, sem artifícios; as dezenas de personagens secundários (durante a leitura é preciso ir tomando nota, para não fazer confusão); a trama um pouco arrastada, sem reviravoltas impactantes.

Uma bomba explode no consulado norte-americano em São Paulo e um candidato ao governo do Paraná é assassinado durante um comício em Curitiba. Haverá ligação entre os dois crimes?

Mario Silva é uma figura íntegra e arguta, mas não literariamente marcante. Muito menos apaixonante. Durante a investigação, ele precisa dividir a cena com os colegas da polícia e acaba desaparecendo entre tantos personagens.

Os thrillers de Gage funcionam melhor em inglês, holandês e alemão. São para o leitor estrangeiro. Se traduzidos para o português, sua baixa densidade literária não suportaria comparações. Seriam vencidos pela ficção de Rubem Fonseca, Luiz Alfredo Garcia-Roza e Joaquim Nogueira, mais consistente e maliciosa.

LUIZ BRAS é autor de "Sozinho no Deserto Extremo" (Prumo).

PERFECT HATRED
AUTOR Leighton Gage
EDITORA Random House
QUANTO R$ 50,60 (336 págs.); R$ 31,79 (versão digital)
AVALIAÇÃO regular


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