Folha de S. Paulo


'Inhotim japonês', Naoshima recebe obras de 23 países para trienal de artes

A pequena Naoshima, no sul do Japão, e outras ilhas da região são palco do Setouchi, festival trienal de arte que reúne até novembro 210 artistas de 23 países.

O festival expande o ambicioso projeto de transformar a região na meca da arte contemporânea, projeto iniciado com a transformação de Naoshima em um museu a céu aberto.

Comparações são sempre superficiais, mas é impossível não se lembrar de Inhotim na ilha japonesa.

Com vocação para a pesca e indústria de cobre, Naoshima viu seu cenário se transformar ao longo dos últimos 24 anos.

Hoje conta com quatro museus e oito instalações ao ar livre.

A transformação de Naoshima foi motivada por uma característica da região: o envelhecimento da população.

O êxodo de jovens que procuravam um futuro mais promissor nas grandes cidades do entorno, foi a motivação para que Soichiro Fukutake, bilionário natural da região, investisse muita energia e muito dinheiro num ambicioso projeto de ressignificação da região.

Amante da cultura, Fukutake elegeu a arte contemporânea como catalisador destas mudanças. O projeto Benesse Art vive hoje sua plenitude, com aportes da Benesse Corporation, gigante da educação (é dona da franquia das escolas de idioma Berlitz, entre outras), empresa presidida por Fukutake, e a gestão da Fukutake Foundation, criada para promover a cultura na região.

O orçamento deste ano está entre 12 e 13 milhões de dólares. O total de investimentos desde a criação do projeto não é divulgado.

IDENTIDADE PRESERVADA

A população de Naoshima (cerca de 3.000 habitantes) transformou suas casas em pequenos negócios --restaurantes, cafés e pousadas-- para receber os 430 mil turistas que chegam a cada ano.

No lugar da descaracterização e gentrificação, ações educativas têm aliado moradores, principalmente idosos, ao novo momento de Naoshima.

Apesar da transformação visível na paisagem da ilha, a identidade é preservada, como no caso dos Art Projects --sete casas abandonadas no bairro mais tradicional da ilha, Honmura, transformadas em instalações que preservam a memória dos espaços.

Além dos museus e das oito grandes instalações, 41 obras estão espalhadas pela ilha, como a vibrante abóbora de Yayoi Kusama, que repousa na ponta de um píer, quase dentro do mar, e se tornou o cartão postal de Naoshima.

Os museus vão muito além de prédios para abrigar quadros e se colocam como obras de arte com valor próprio, como o Lee Ufan Museum, parceria entre o arquiteto autodidata japonês Tadao Ando (ganhador de um Pritzker) e o artista plástico e filósofo Lee Ufan. O trabalho meditativo de Ufan ganha ainda mais força no espaço desenhado por Ando.

Outra obra de Ando na ilha das artes é o Chichu Art Museum, construído todo embaixo da terra e, ao mesmo tempo, banhado de luz natural.

"Chichu" significa subterrâneo em japonês. O museu foi projetado para abrigar obras específicas, como a série de cinco pinturas "Nenúfares", de Claude Monet, os trabalhos de James Turrel e as obras do americano Walter De Maria.

O projeto Benesse Art extrapola os limites de Naoshima e hoje já encontra abrigo em outras ilhas do mar de Seto, como Teshima e Inujima. Existe apoio político, mas não verba --todo o recurso investido vem das empresas de Fukutake.

JASPER JOHNS DE PIJAMAS

O Benesse House, construído em 1992, foi o primeiro museu de Naoshima, onde também funciona um pequeno hotel com apenas 10 quatros.

Os hóspedes podem observar um Jasper Johns de pijamas, no meio da noite. Na entrada da ilha, próximo ao porto, está a obra/banho público I Love Yu --um trocadilho: água em japonês é "yu"-- de Shinro Ohtake.

Para visitar a obra, é preciso se despir e vivenciar a experiência dos tradicionais onsens (piscinas de água quente) japoneses.

Tudo em Naoshima propõe outra relação com a arte: no lugar do entendimento hermético, a experiência, e, por meio dela, a sensação de se aproximar da arte com intimidade.


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