Folha de S. Paulo


Análise: Escritor Elmore Leonard extraía densidade psicológica da simplicidade máxima

Meses atrás, o repórter da revista "Vanity Fair" perguntou-lhe, entre outras coisas, como gostaria de morrer. Elmore Leonard não titubeou: "Isso faz alguma diferença? Você está morto!".

Editoria de Arte/Folhapress

Talvez o interlocutor esperasse um comentário mais espirituoso ou filosófico. Entrevistas com escritores são um ótimo momento para se fazer "literatura" sobre a vida, a arte e a morte.

Ícone do romance popular americano, escritor Elmore Leonard morre aos 87 nos EUA
Análise: Histórias de Elmore Leonard têm diálogos imbatíveis

Porém, ao longo de seis décadas de atividade intensa, Elmore Leonard conquistou uma fila infinita de fãs justamente evitando fazer "literatura", no sentido de "belas letras". Preferia, a qualquer alternativa, extrair toda a densidade psicológica apenas da máxima simplicidade. Nisso ele foi fiel a seu mestre, o Ernest Hemingway das descrições brutas e dos diálogos secos.

Elmore Leonard acreditava somente na prosa poeirenta, rústica. Seus romances e contos de faroeste "Fuga de Cinco Sombras", "Hombre" e outros são uma coleção de situações violentas e indivíduos decididos a resolver tudo na queda de braço.

A vida é feroz, igual à morte. A linguagem literária não podia contradizer essa verdade. Sempre que uma frase minimamente retórica, beletrista, intrometia-se em suas narrativas, Elmore Leonard gastava algum tempo espancando, embrutecendo o texto.

Outra característica apaixonante de seus livros é o senso de humor, em geral negro, quase macabro. As trapaças e os homicídios de seus romances policias -- "Tiro Certo", "Cassino Blues" etc. -- devem parte da alta potência ao exagero mórbido, beirando o cômico.

O personagem favorito de Elmore Leonard era Raylan Givens, dos romances "Pronto" e "Cárcere Privado". Raylan, com seu inseparável chapéu de caubói, possui todas as característicaS de um herói de faroeste teletransportado para a literatura de investigação.

Para Ernest Hemingway, um bom ficcionista deve revelar apenas dez por cento ao leitor, deixando os outros noventa por cento submersos. É a famosa teoria do iceberg.

Na obra de Elmore Leonard, os melhores momentos surgem dessa dialética da elipse. É sinal de que o ensinamento do mestre foi levado a sério.

LUIZ BRAS é autor de "Sozinho no Deserto Extremo" (Prumo).


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