Folha de S. Paulo


Crítica: Filme 'Flores Raras' é corajoso, mas não tão arrojado como pede a trama

"Flores Raras", longa mais recente de Bruno Barreto, é baseado no romance real entre a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares (Glória Pires) e a poetisa norte-americana Elizabeth Bishop (Miranda Otto). Ambas moraram juntas em Petrópolis, entre as décadas de 1950 e 1960.

Há um momento que é raro dentro do cinema comercial brasileiro: quando Lota e Elizabeth voltam do passeio de carro no qual se tornaram amantes. No exato instante em que o carro estaciona na entrada da casa de Lota, a câmera faz um recuo inusitado para reenquadrar as duas na parte esquerda da tela, enquanto na parte direita se encontra Mary, companheira de Lota, sentada sozinha num sofá dentro da casa.

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Esse tipo de movimento da câmera destoa da sobriedade que o diretor Bruno Barreto impõe a seu filme, mas ao mesmo tempo instaura um salutar respiro à narrativa, que até então estava a um passo do academicismo. Vemos a tela dividida entre o despertar de um romance e o ocaso de outro.

Um ocaso que, no entanto, não significa a saída de Mary, pois Lota quer manter as duas por perto. O preço a pagar é a adoção de uma criança, desejo de Mary com o qual Lota nunca havia concordado.

A tela dividida ainda espelha outras divisões: vemos personagens situadas entre Estados Unidos e Brasil; o compromisso e a liberdade; Petrópolis e a capital do Estado; a língua inglesa e a portuguesa.

Vemos também uma personagem, Lota, dividida entre o desejo carnal por Elizabeth e a segurança da antiga relação com Mary. Esta é precisamente a mesma situação que vive a personagem do melhor filme de Bruno Barreto, "Dona Flor e Seus Dois Maridos". Ali também vemos uma mulher dividida entre a segurança e a carnalidade.

"Flores Raras" se apoia na brilhante interpretação de Miranda Otto (que também está bela como nunca antes no cinema) e revela uma certa coragem no retrato do triângulo feminino.

Infelizmente, essa coragem não se sustenta o filme todo, pois Barreto é limitado pela segurança de um cinema de qualidade, baseado no cálculo e na pompa, sobretudo na segunda metade, justamente quando a história pedia algo mais arrojado, condizente com seu desassossego.

FLORES RARAS
DIREÇÃO Bruno Barreto
PRODUÇÃO Brasil, 2013
ONDE Anália Franco UCI, Iguatemi Cinemark e circuito
CLASSIFICAÇÃO regular


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