Folha de S. Paulo


Oficina, de Zé Celso, transporta protestos para o palco, com peça sobre Cacilda Becker

Um mês atrás, a poucos dias de uma primeira apresentação pública de "Cacilda!!!" no interior paulista, o autor e diretor Zé Celso levou outro texto ao elenco.

Não mais sobre a atriz Cacilda Becker do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), no final dos anos 40, mas aquela que comandou as passeatas do final dos anos 60, contra a censura e a violência da ditadura militar.

O diretor estava sob o impacto das manifestações de junho e queria transportá-las ao teatro. O Oficina, hoje com mais de seis dezenas de atores e técnicos, aceitou, apesar do pouco tempo.

Encerrando os três fins de semana pelo interior, em São José dos Campos, Araraquara e Sorocaba, bancados pelo Sesc, o resultado foi um espetáculo afinal integrado e que ecoa os protestos. Estreia amanhã, em São Paulo.

E, com maior urgência, como protesto: o Oficina acaba de descobrir que o Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), órgão estadual de proteção ao patrimônio, autorizou a construção de edifícios pela Sisan, do Grupo Silvio Santos, ao redor do teatro e vai levar a "guerra" ao palco.

Lenise Pinheiro/Folhapress
Atores no cenário de 'Cacilda!!!', peça em que o diretor Zé Celso mostra Cacilda Becker liderando passeatas nos anos 1960
Atores no cenário de 'Cacilda!!!', peça em que o diretor Zé Celso mostra Cacilda Becker liderando passeatas nos anos 1960

DOIS ATOS

O primeiro ato de "Cacilda!!!" ainda mostra a atriz no momento mais significativo da carreira, dando forma ao Teatro Brasileiro de Comédia com o diretor Adolfo Celi. Mas o segundo agora traz seu protagonismo nos episódios de maior repercussão política do teatro, em 1968.

"A fase de Cacilda iniciando o TBC fala de coisas que interessam muito, hoje, como a profissionalização", diz Zé Celso, sobre o primeiro ato.

Quanto ao segundo, afirma que levou os jovens atores da companhia a "se apaixonarem ainda mais pela profissão, com Cacilda, porque trata deles mesmos, através da poética das manifestações dos anos 60."

O diretor lamenta, sobre os protestos recentes, que "não se tocou na palavra cultura" -e quer "contaminar" as manifestações com a memória das passeatas culturais encabeçadas pela atriz.

Esta é a terceira peça da série criada pelo Oficina sobre Cacilda (1921-1969). A primeira mostrou sua infância e juventude e, num salto, sua morte. A segunda retratou o início da carreira no Rio.

Como nas anteriores, agora o papel é dividido em mais de uma intérprete. Camila Mota é a Cacilda da abertura do TBC, Sylvia Prado, a de 1968, e a pernambucana Nash Laila faz o papel que a atriz interpretou em "Pega-Fogo", um menino para espelhar os jovens "aqui e agora".

Zé Celso faz Franco Zampari, empresário que idealizou e viabilizou o TBC.

Roderick Himeros interpreta Adolfo Celi, diretor e amante da atriz. Marcelo Drummond é Walmor Chagas, que foi marido e, no final dos anos 60, levou Cacilda ao engajamento político.

NAS RUAS

Anteontem, a três dias da estreia, Zé Celso apareceu para a entrevista com um novo estímulo para levar os protestos ao palco -e também a peça às ruas, onde ela vai terminar, agora, com uma volta no quarteirão do teatro.

O diretor tinha sido informado sobre a autorização dada pelo Condephaat à construção das torres da Sisan.

É uma guerra, como ele chama, iniciada mais de três décadas atrás. Paulo Francis já escrevia em 1980, na "Ilustrada", contra o cerco imobiliário do "sr. Silvio Santos" ao Oficina, "uma rara glória do teatro brasileiro".

Agora, trata-se de decisão tomada em maio pelo Condephaat. Zé Celso, que havia obtido do próprio Silvio Santos o direito de ocupar o entorno até dezembro, culpa "burocratas" do grupo empresarial pela reviravolta.

"Isto aqui é uma obra de Lina Bo Bardi", afirma o diretor. "Já foi tombada pelo Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, federal] e pelo próprio Condephaat. É um absurdo que, no meio de passeatas que lutam pela valorização da cidade, venha uma monstruosidade dessas."

Sua aproximação com integrantes do MPL (Movimento Passe Livre), principal referência dos protestos, começou ao longo de julho, nos encontros que o movimento Cultura Atravessa! vem realizando no próprio Oficina, com o objetivo de integrar as artes às manifestações.

CACILDA!!!
QUANDO sex., às 19h, sáb. e dom., às 18h (até 1º/9); estreia amanhã
ONDE Teatro Oficina (rua Jaceguai, 520, Bela Vista, tel. 0/xx/11/3106-2818)
QUANTO R$ 40
CLASSIFICAÇÃO 14 anos


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