Folha de S. Paulo


Estudo mostra que maioria das pessoas escuta sempre as mesmas músicas

A opção de ouvir toda e qualquer música nova está a um toque na tela. E você vai sempre escolher aquelas mesmas velhas canções.

Quem crava qual será a sua seleção são os autores de um estudo feito na Universidade de Washington sobre o poder da familiaridade na escolha musical.

A pesquisa foi feita com mais de 900 universitários, autodeclarados apreciadores de novos sons. Pelo menos foi isso o que disseram em questionários prévios. Curiosamente, o lado B dos participantes apareceu quando foram confrontados com escolhas reais entre pares de músicas. A maioria optou por aquelas que tinha ouvido mais vezes.

Ouvir sempre a mesma música não é falta de opção ou imaginação. Segundo o coordenador do laboratório de neuromarketing da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, Carlos Augustos Costa, é coisa da sua cabeça.

"O cérebro não gosta de nada complicado. Se você ouve um som novo, tem de parar para entender, mas se a música tem padrões familiares, é sopa no mel: você decide imediatamente ouvi-la."

Familiar é um padrão musical que a pessoa sabe reconhecer ou um estilo associado a memórias positivas.

"A música que você já conhece tem um valor emocional enorme. Cada vez que você a ouve, a associa a uma sensação de prazer e, quanto mais ouve, mais reforça essa associação", diz a neurocientista e colunista da Folha Suzana Herculano-Houzel.

Editoria de arte/Folhapress
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O compositor Arrigo Barnabé, que desde a década de 1980 faz experimentações em música, diz ter a esperança que as novas plataformas ajudem a mudar o disco.

"Hoje, com a internet e o YouTube, vejo as pessoas mais interessados em ouvir novidades. Mas há a tendência de a pessoa buscar o conforto, o que já conhece bem."

A causa do fenômeno é mais material do que neuroemocional, na opinião do pesquisador e crítico musical José Ramos Tinhorão.

"A produção de música popular obedece as regras do capitalismo, com uma grande quantidade de produtos iguais sendo jogada no mercado. Isso começa a cansar e as pessoas sentem saudades das músicas antigas", afirma.

As músicas megarrepetidas nas rádios teriam então, segundo ele, efeito contrário. Mas não funciona assim.

"De tanto ouvirem, as pessoas acabam se familiarizando e não sabem mais se gostam ou não. Mas criam fidelidade", diz Rifka Smith, diretora da Radiodelicatassen, empresa de planejamento de produtos radiofônicos.

A repetição funciona até um limite. Grande parte do prazer da música é a oportunidade que ela dá ao cérebro de antecipar como será a próxima frase musical, segundo Herculano-Houzel.

Na música conhecida, a pessoa antecipa o prazer e é recompensada ouvindo o que já esperava. Vai querer repetir a experiência. "Mas, quando o cérebro já tem a certeza absoluta do que virá, perde a graça", diz a neurocientista.

É a brecha para seu cérebro ouvir algo de novo.

Mas o poder das velhas músicas continua, afirma o professor de marketing Morgan Ward, autor do estudo americano. "Quando as pessoas estão prontas para uma mudança, não querem uma revolução. A maioria dos novos estilos musicais é só uma atualização do que veio antes", disse Ward à Folha.

Colaborou LUCAS NOBILE, de São Paulo

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COMO FOI FEITA A PESQUISA

Os pesquisadores da Washington University fizeram três rodadas de testes. A idade média dos participantes era de 23 anos

1) 386 pessoas classificaram o grau de familiaridade com 24 músicas; depois receberam uma lista com 12 pares das classificadas e tiveram 15 minutos para escolher a preferida em cada dupla

2) 244 pessoas escolheram para ouvir 16 músicas em uma lista de 32; depois, classificaram o grau de familiaridade com cada música

3) 276 pessoas receberam uma atividade cognitiva leve (memorizar quatro palavras) ou mais pesada (20 palavras) para realizar e tiveram que escolher qual estação de rádio queriam ouvir: se a de músicas novas ou a das 'dez mais'


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