Folha de S. Paulo


Diretora de documentário diz que Ai Weiwei é igual em público e na vida privada

Não era uma missão específica. Quando a americana Alison Klayman, 29, chegou à China há quatro anos, queria viajar e quem sabe se tornar jornalista. Isso até que ela conheceu Ai Weiwei, o artista, dissidente e ativista político mais famoso e perseguido do país asiático. Em "Ai Weiwei: Sem Perdão", documentário que estreia nesta sexta (9) no CineSesc, em São Paulo, Klayman narra momentos decisivos da carreira do artista.

Suas críticas à forma como Pequim organizou os Jogos Olímpicos de 2008 e, mais tarde, os apelos que fez em seu blog para revelar verdades sobre o descaso do governo com relação às vítimas de um terremoto na província de Sichuan, onde morreram cerca de 6.000 crianças, acabaram levando à sua prisão por cerca de três meses.

Divulgação
Ai Weiwei fotografa o próprio rosto machucado em cena do documentário 'Sem Perdão'
Ai Weiwei fotografa o próprio rosto machucado em cena do documentário 'Sem Perdão'

Desde então, Klayman mantém contato com o artista, dizendo que sempre vai se sentir "conectada a ele". A cineasta falou à Folha sobre seu filme e sua relação com Ai Weiwei, que continua proibido de viajar ao exterior e tem acesso bloqueado às redes sociais na China. Leia a seguir trechos da conversa.

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Folha - Quase dois anos depois do lançamento de seu filme, como é sua relação com Ai Weiwei?
Alison Klayman - Sempre vou me sentir conectada a ele por causa desse projeto e pelo tempo que passamos juntos. Muito do que eu fiz nesses últimos dois anos foi falar sobre ele e explicar às plateias do que se trata Ai Weiwei. Falamos muito pelo Twitter, pelo telefone e por mensagens de texto.

Há notícias sobre um relaxamento das restrições contra ele, como a proibição de viajar?
Seu passaporte continua confiscado pelas autoridades, e ele não pode deixar o país. Algumas restrições foram relaxadas. Ele já pode dar algumas entrevistas, mas não pode deixar o país. Ele tem feito exposições importantes pelo mundo, mas não pode ir a nenhuma delas. Mesmo assim, acompanho tudo o que ele faz. E ele também vê meu trabalho. Outro dia, tuitou sobre um filme que eu postei.

Como você se interessou por Ai Weiwei?
Estava morando na China havia dois anos quando o conheci. Não é que eu já tivesse visto de longe que ele era alguém interessante, mas minha colega de apartamento estava trabalhando numa de suas exposições. Pelas histórias que ela contava e pelo blog dele, eu fiquei muito interessada. Tinha muitas perguntas. Quando o conheci, fui fisgada. Ele é tão carismático e ao mesmo tempo tão complexo. É uma pessoa que fala sobre a China contemporânea e a política do país como ninguém. E ele queria discutir política. Tudo que ele fala diante da minha câmera ele também falava em chinês no seu blog. Fiquei fascinada por ele.

O que acha das mudanças recentes na obra dele, como o álbum de heavy metal que ele acabou de lançar?
Não pude discutir isso com ele, mas vejo isso como parte natural de seu desenvolvimento artístico e a expansão de seus projetos. Em 2005, a internet ainda era uma coisa nova para ele, que nunca tinha usado um computador. Agora ele quer tentar coisas novas mais uma vez, pensando em maneiras mais fáceis de passar uma mensagem. Acredito que seja mesmo para ir além de certas barreiras. É típico do Ai Weiwei se interessar por coisas novas. Mesmo assim, já vemos uma maturidade na obra dele, embora o sucesso não tenha sido o suficiente para atingir a maior parte da população chinesa. Isso é difícil para ele.

É também uma mudança de estratégia para escapar ao controle das autoridades?
Isso é outro motivo. Por causa de sua situação política, ele precisa pensar sempre em como não ser pego. Encontrei com ele logo depois que ele saiu da prisão. Naquele dia, ele me disse que teria de encontrar novas formas de jogar esse jogo. Ele está sempre reagindo a uma realidade em mutação constante.

Ai Weiwei é mesmo do jeito que parece ser, ou esse é uma espécie de personagem público que ele adotou?
Essa era minha maior questão com o filme. Queria responder quem é mesmo Ai Weiwei, esse mestre da comunicação que gosta de brincar com as noções de falso e autêntico. Meu método foi chegar lá e filmar o maior tempo possível. Nem marcava horário, só ia ao ateliê e ficava o assistindo ser entrevistado por outros. Minha conclusão é que ele é mesmo essa pessoa que está no filme. Não seria possível fingir ser assim. Eu estava lá mesmo nas horas de cansaço, de tédio, entre as tomadas. Suas preocupações são genuínas. Quando ele fala de liberdade de expressão, essa é mesmo sua maior preocupação. Ele gosta de ser um provocador. E gosta de responder perguntas. Não decepciona, não tem duas caras. Ele tem uma persona pública que não difere de sua vida real.


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