Folha de S. Paulo


Crítica: Woody Allen encara a crise e perde a graça em 'Blue Jasmine'

Depois da longa temporada de filmes em Roma, Paris, Barcelona e Londres, Woody Allen decidiu encarar a crise econômica americana iniciada em 2008.

Filmado entre Nova York e São Francisco, "Blue Jasmine" conta a história da mulher de um milionário investidor que é clone do golpista Bernard Madoff, um dos vilões da quebradeira de bancos que desintegrou as economias de milhares de investidores.

A Ruth Madoff da ficção é Jasmine (Cate Blanchett), que parece ignorar tanto a desonestidade do marido, Hal (Alec Baldwin), quanto sua infidelidade em série.

Merrick Morton/Efe
Jasmine (Cate Blanchett, à esq.) com seus parentes pobretões em San Francisco
Jasmine (Cate Blanchett, à esq.) com seus parentes pobretões em San Francisco

O filme começa com Jasmine já separada do marido, que é preso, e tendo que se virar sem a fortuna. Ela vai a San Francisco para se hospedar na casa da irmã, que se separou do marido pobretão, tem dois filhos pré-adolescentes e namora outro "perdedor", tanto na cabeça de Jasmine, quanto na maneira como Allen o filma.

Diversos flashbacks mostram como era a vida de Jasmine nos tempos da opulência na Park Avenue nova-iorquina, onde ela queria manter distância do lado pobre da família.

Apesar de conservar os vestidos Chanel e as malas Louis Vuitton, Jasmine é um fracasso agora. Vira secretária de um dentista que a assedia sem parar, não consegue usar o computador para fazer um curso de decoração pela internet e se consola com uísque e doses generosas do ansiolítico Xanax.

Ela está à espera da bondade de estranhos --sua personagem é inspirada na Blanche Dubois, do clássico teatral "Um Bonde Chamado Desejo", de Tennessee Williams.

Nessa América de desigualdades sociais crescentes, Allen não parece ter muita simpatia por ninguém: pobres e ricos são simplórios, clichês ambulantes.

Apesar de descrita como "comédia dramática" pela crítica americana, "Blue Jasmine" é o menos cômico filme do cineasta desde o ótimo "Match Point" (2005).

Mas sofre do mesmo mal que atingiu "Os Amantes Passageiros", de Pedro Almodóvar: é uma comédia que tenta explicar a crise, mas a "mensagem" compromete as piadas e boa parte da empreitada. Allen se sai melhor que o espanhol, felizmente, mas o melhor filme sobre a crise de 2008 ainda é o drama "Margin Call - O Dia Antes do Fim" (2011).

Salva-se o padrão Allen de qualidade: elenco de grandes atores fazendo pontas inspiradas (neste caso, de Louis C.K. a Peter Sarsgaard); algumas tiradas que deveriam ser estudadas por todo jovem comediante de stand-up e a fotografia do espanhol Javier Aguirresarobe (de "Fale com Ela" e "Vicky Cristina Barcelona").

E Cate Blanchett, que paira imune à caricatura --ela dá dignidade e riqueza à personagem que não se encontram no roteiro. Principalmente por ela, continuaremos a dizer que qualquer filme ruim de Woody Allen ainda está acima da maioria dos filmes em cartaz.

BLUE JASMINE
PRODUÇÃO EUA, 2013
DIREÇÃO Woody Allen
QUANDO no Brasil, em outubro
AVALIAÇÃO regular


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