Folha de S. Paulo


Cineasta diz que Fora do Eixo não paga cachê e pratica "escravidão pós-moderna"

A cineasta Beatriz Seigner publicou na noite desta quarta-feira (7) um texto em seu perfil no Facebook em que questiona a atuação do coletivo de produtores e agentes culturais Fora do Eixo, acusando o grupo de não repassar cachês a ela e a outros artistas.

No longo relato, que levantou debates nas redes sociais sobre o coletivo, a diretora também afirma que pessoas que moram na Casa Fora do Eixo --espécie de QG do grupo situado no bairro da Liberdade, em São Paulo-- são submetidas a uma situação de "escravidão (pós)moderna", já que, segundo ela, os moradores "abdicam de salários por meses e anos" e "não têm um centavo ou fundo de garantia para sair da rede" ao trabalhar para o Fora do Eixo.

No texto, Seigner diz ter sido convidada pelo coletivo a participar de debates em diversas cidades do país sobre seu filme "Bollywood Dream - O Sonho Bollywoodiano", em 2012. Segundo ela, o Fora do Eixo lhe prometeu que organizaria a exibição do longa em cineclubes ligados ao coletivo, repassando a ela pagamentos com o "cubo card", uma moeda simbólica do Fora do Eixo. "Nunca vi nem sequer nenhum centavo deste cubo card, ou a plataforma com 'menu de serviços' onde esta moeda é trocada", disse Seigner em seu texto.

A diretora também afirma que o coletivo tentou estampar sua logomarca nos cartazes do filme. "Eu disse que o filme havia sido feito sem nenhum recurso público e que a cota mínima para um patrocinador ter sua logomarca nele era de 50 mil reais. Eles desistiram", escreveu a cineasta.

Jair Magri/TV Cultura
Bruno Torturra (à dir.) e Pablo Capilé (de camiseta preta) participam de debate no programa Roda Viva, da TV Cultura
Bruno Torturra (à dir.) e Pablo Capilé (de camiseta preta) participam de debate no programa Roda Viva, da TV Cultura

Seigner ainda acusa o coletivo de ter lhe repassado um cachê pela participação em um debate sobre o filme em uma unidade do Sesc no interior de São Paulo só nove meses após o evento.

Citando a participação de Pablo Capilé e do jornalista Bruno Torturra, do coletivo Mídia Ninja, no programa Roda Viva, da TV Cultura, na última segunda-feira, Seigner diz que, segundo Capilé, o Fora do Eixo arrecada entre R$ 3 milhões e R$ 5 milhões por ano. "Quanto disso é redistribuído para os artistas que se apresentam na rede?", questiona ela.

OUTRO LADO

Procurados pela reportagem, nem a diretora nem Capilé ligaram de volta.

Torturra publicou um texto no Facebook se dizendo "deprimido" com os ataques sofridos pelo Fora do Eixo nas redes sociais, mas sem responder objetivamente às críticas da cineasta.

"Não quero, nem tenho como, destrinchar o texto dela aqui. Mas me ater ao básico: a leitura dela e de muita gente sobre o FdE não revela tanto sobre a rede quanto sobre a própria mentalidade automática à qual o FdE tenta resistir. Onde a 'integridade', como ela cobrou da rede, é medida sobretudo por grana, ego, logotipos."

"É chocante para mim", escreve Torturra na abertura do texto, "ver tanta gente legal, tanta gente que gosto e admiro, comprando uma versão tão sombria, tão injusta e tão mesquinha sobre o Fora do Eixo e o Pablo Capilé".

"Não é fácil assumir a vida que os moradores da Casa Fora do Eixo escolhem. Dividem quartos, roupas, espaço. Abdicam mesmo de tempo livre em nome de construir algo juntos. E acho um profundo desrespeito a eles dizer que aquilo é uma seita, que sofreram lavagem cerebral por Pablo Capilé", escreveu o jornalista.

Também pelo Facebook, integrantes do Fora do Eixo rebateram as acusações. Em seu perfil, Rafael Vilela escreveu que "o texto de Beatriz é uma trama roteirizada com inúmeras inverdades" sobre o coletivo.

"Em minhas memórias lembro dela [Beatriz Seigner] assustada, assim como bem descreve em seu post-longa-metragem baseado em fatos reais e em percepções distorcidas", escreveu Vilela.

Procurado pela reportagem, ele também não foi localizado até o início da tarde de quinta (8).

OUTRA ACUSAÇÃO

O músico Daniel Peixoto também acusa o Fora do Eixo por não ter lhe repassado o dinheiro das vendas de seu disco, lançado com o selo do coletivo.

O compositor cearense alega que a rede dirigida por Pablo Capilé cometeu um erro ao registrar as músicas em nome de outra banda, fazendo com que Peixoto não recebesse os direitos autorais distribuídos pelo Ecad. O músico também acusa o Fora do Eixo de ter ficado com mais de 300 CDs seus sem vendê-los.

Um dos integrantes do Fora do Eixo, Felipe Altenfelder, publicou texto na internet desmentindo as acusações de Peixoto.

"Não acho que eles estejam querendo me roubar, mas é uma negligência. Depois que o Fora do Eixo cresceu, eles perderam o controle. Eles fazem uma matemática errada, mentem. Eles não mostram nenhum documento", disse Peixoto à Folha.

"Se tivessem me dado a atenção devida, não teria chegado nesse ponto. Me deixaram no vazio várias vezes, sem uma resposta, ficavam me cozinhando. Não é só a grana que está em jogo, mas acho que eu falando encorajo outros artistas que têm queixas contra o Fora do Eixo a se manifestar", completou o músico.


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