Folha de S. Paulo


Sentimento de perda de identidade atrai público a obra de Kusama

Nos últimos anos, Yayoi Kusama tem se tornado um fenômeno de público, apesar de há muitas décadas ter ganho o respeito da crítica e das instituições do circuito de arte.
Em 2011, no Centro Pompidou (Paris) e Reina Sofia (Madri), em 2012 na Tate Modern (Londres) e no Whitney (Nova York), uma retrospectiva de Kusama levou milhares de visitantes a esses museus, extasiados especialmente com suas instalações. Testemunhei as filas e as reações favoráveis na edição espanhola da exposição.

Kusama conquistou o público por conta dos ambientes espelhados, que contêm pequenas lâmpadas coloridas ("Fireflies on the water" - Vagalumes sobre a água) ou espumas em formato fálico recobertas com bolas vermelhas, que podem ser manipuladas ("Infinity Mirror Room" - Sala do espelho infinito). Neles, o acumulo de objetos aliado à imensidão provocada pelos espelhos transporta o público a situações psicodélicas, que no caso da artista está relacionado às suas experiências de desordem psicológica. Hospitalizada várias vezes por conta dessas crises, na Nova York dos anos 60, ela descrevia os sentimentos que acompanhavam a internação como "dissolução e acumulação. Proliferação e fragmentação. O sentimento de destruição de mim mesmo".

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Pois o que, possivelmente, atrai e agrada o público é exatamente esse sentimento de perda de identidade que suas instalações propiciam, algo muito parecido a quando se observa um céu estrelado e brilhante, que, em geral, é acompanhado do sentimento da diminuta dimensão humana no universo.

Enquanto a arte contemporânea muitas vezes afasta o grande público, com dificuldade de compreender obras excessivamente discursivas, as instalações de Kusama lidam com os sentidos de forma completa, algo que o brasileiro Hélio Oiticica buscava em seus penetráveis como os da série "Cosmococas". Tanto em Oiticica como em Kusama e experiência dispensa explicações.

No caso da obra da artista japonesa, ela mesmo admite ainda um caráter terapêutico: "ao continuamente reproduzir as formas de coisas que me assustam, eu sou capaz de acabar com o medo. Eu faço uma pilha de esculturas de pênis maleáveis e me deito sobre eles. Isso transforma coisas aterradoras em engraçadas, algo divertido".
São obras como as de Kusama que mantém a atualidade da arte, em seu poder de surpreender e levar o espectador a novas experiências, independente de todo o embasamento intelectual que ela contenha.


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