Folha de S. Paulo


Depois de levar curta a Cannes, cineasta brasileiro dirige pais em longa

É noite numa rua pouco movimentada do bairro Amazonas, em Contagem (MG). Apenas um boteco parece ter gente e luz. Quebrando a rotina visual e sonora do local, uma equipe de filmagem se posiciona na calçada contrária ao bar. De olhos atentos, corpo rijo e chiclete na boca, André Novais Oliveira grita pela quarta vez: "Ação, pai!".

Na esquina da quadra abaixo, Norberto Francisco Oliveira surge caminhando rumo aos homens bebendo cerveja. Entra no estabelecimento, senta-se e é servido pelo garçom. Ouve-se novamente André: "Corta!".

A cena é parte da produção de "Ela Volta na Quinta", primeiro longa-metragem de André e cujas filmagens terminaram na última segunda-feira.

Filmes de Plástico/Divulgação
André Novais (esq.) dirige seus pais durante gravações do filme 'Ela Volta na Quinta'
André Novais (esq.) dirige seus pais durante gravações do filme 'Ela Volta na Quinta'

Do cotidiano mais ordinário nasce o cinema deste diretor de 29 anos, de quem o curta "Pouco Mais de um Mês" representou o Brasil na Quinzena dos Realizadores, em maio, no Festival de Cannes.

RETRATO DA PERIFERIA

O interesse do jovem cineasta está não apenas em agregar a realidade a uma história de ficção, mas também captar pequenos gestos e movimentos que compõem a paisagem urbana da periferia de Contagem.

André nasceu e ainda vive na cidade da região metropolitana de Belo Horizonte a 20 km da capital.

"Às vezes, a gente registrava o que acontecia em ambientes sem controle, mas não sempre", conta o diretor, sobre as filmagens do novo trabalho.

"Fizemos cenas numa cachoeira, na minha casa, num sítio e no centro da cidade. Em todos os lugares, tivemos consciência de que alguns elementos de fora podiam interferir".

Mas André, metódico e organizado, tem um roteiro a seguir. "Ela Volta na Quinta", financiado com R$ 87 mil pelo edital estadual Filme em Minas, é protagonizado pelos pais do realizador, Norberto, 62, e Maria José de Novais, 66. Eles vivem uma crise afetiva a partir de um problema de saúde dela.

A notícia de que os dois podem se separar gera angústias em toda a família. "Tenho vontade de ver meus pais atuando desde quando comecei a fazer cinema. O roteiro tem alguns elementos verdadeiros sobre eles, mas é essencialmente ficção".

AMIGOS ATORES

O procedimento é similar ao dos curtas anteriores de André Novais, "Fantasmas" (2010) e "Pouco Mais de um Mês". Em ambos, o cineasta colocou pessoas muito próxima como intérpretes.

No primeiro, os amigos e sócios na produtora Filmes de Plástico, Gabriel Martins e Maurílio Martins; no segundo, a namorada, Elida Silpe, além dele mesmo.

Encontrei esse jeito de narrar, usando experiências e observações do que acontece no universo que me rodeia e me interessa".

André é historiador pela PUC-MG e cursou cinema por dois anos numa escola especializada de Belo Horizonte. Da formação, assume influências do inglês Mike Leigh, para estruturar os diálogos, e do iraniano Abbas Kiarostami, para encenar com liberdade de improviso.

Os brasileiros Geraldo Veloso e Carlos Alberto Prates e os americanos Spike Lee e Charles Burnett pipocam em seus raciocínios sobre a quem ele mais presta tributo.

Ainda esta semana, "Pouco Mais de um Mês" volta a viajar fora do Brasil. Será exibido na programação do 5° Hollywood Brazilian Film Festival, em Los Angeles.

Um dos raros cineastas negros e de origem humilde em plena atividade no Brasil, André Novais se orgulha de conseguir mostrar ao mundo alguns fragmentos do subúrbio brasileiro sem folclorismo e com naturalidade --e também aquilo que ele chama de "uma representação respeitosa do negro no cinema".


Endereço da página: