Folha de S. Paulo


'Sempre quis representar uma mulher', diz Woody Allen

"Já me criticaram por ser narcisista", disse o diretor e ator Woody Allen. "Me criticaram por ser um judeu que se odeia. Mas não ser capaz de criar boas personagens femininas, isso é algo que poucos dizem de mim."

Allen pode não querer se lembrar, mas seus filmes também já atraíram acusações de serem chauvinistas e sexistas por representarem mulheres, segundo os detratores, como neuróticas, chatas e prostitutas.

Esse coro alcançou o clímax nos anos 1990, quando saíram trabalhos mordazes como "Maridos e Esposas" e "Desconstruindo Harry". Na mesma época, Woody teve seu notório rompimento com Mia Farrow, estrela frequente de seus filmes, depois que ela descobriu o relacionamento dele com uma filha adotiva dela, Soon Yi-Previn, hoje mulher de Woody Allen.

Mesmo assim, Allen continuou a criar um fluxo constante de papéis substanciais para mulheres, frequentemente mulheres de idades não reconhecidas por Hollywood (ou seja, acima dos 30 anos). A poderosa performance de Cate Blanchett em "Blue Jasmine" chega neste ano no meio de uma temporada no cinema americano quase destituída de rostos femininos.

Socialite nova-iorquina decadente, Jasmine está emocionalmente fragilizada pelas traições de seu marido, mulherengo e agente financeiro escuso (interpretado por Alec Baldwin). Tendo fugido para Nova York para reiniciar sua vida, ela ignora as calamidades que a privaram de sua situação anterior. Continua a ser obcecada pela alta classe, pelo status e por grifes de luxo e sabe pronunciar o nome "Louis Vuitton" de modo irritante ao extremo.

Para gerações sucessivas de atrizes, a oportunidade de trabalhar em um dos filmes de Allen se tornou uma espécie de validação profissional. Scarlett Johansson, que atuou em "Match Point", "Scoop: O Grande Furo" e "Vicky Cristina Barcelona", escreveu em um e-mail que Woody Allen "aprecia a versatilidade da heroína e a capacidade dela de ser corça e também leoa".

Allen, 77, não soube explicar por que as mulheres têm tanto destaque em seus filmes, exceto pelo fato de que elas suscitam seu interesse. "Elas são atraentes e são complexas. Os homens nunca foram retratados como sendo superiores a uma mulher", comentou. "Os homens geralmente são inferiores, porque têm menos pé no chão que as mulheres."

Allen diz que foi seu relacionamento romântico com Diane Keaton, que começou nos anos 1970, que abriu seus olhos para o potencial das personagens femininas. Contou que, quando começou a sair com ela, passou a apreciá-la tanto, pessoalmente e como atriz, que começou a escrever desde o ponto de vista feminino.

Keaton recorda que o relacionamento deles não foi muito diferente daquele retratado em "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa": Woody Allen tornou-se seu companheiro e mentor, ouvindo-a com atenção e a apresentando à análise freudiana.

"Eu vivia me queixando das coisas e tinha minha autoestima sempre baixa", contou Keaton. "Tinha a tendência a chorar e a me preocupar, querendo saber por que eu não era boa o suficiente, e ele levava tudo numa boa."

Woody Allen nunca teve problemas em conseguir as atrizes que queria para seus filmes, tendo atraído estrelas --como Geraldine Page, Julia Roberts e Judy Davis-- e ajudado outras a conquistar o Oscar: Dianne Wiest (duas vezes ganhadora, por "Hannah e Suas Irmãs" e "Tiros na Broadway"), Mira Sorvino ("Poderosa Afrodite") e Penélope Cruz ("Vicky Cristina Barcelona").

O diretor disse que suas personagens femininas às vezes nascem de seu próprio palpite de como as mulheres poderiam reagir em determinadas situações. "Isso não quer dizer que eu acerte sempre no que penso ou no que sinto", disse.

Mas, no caso de Jasmine, a personagem foi inspirada por uma mulher de quem ele ouviu falar por meio de Soon Yi-Previn.

Jasmine pode suscitar mais críticas à visão de Allen sobre as mulheres, por trazer uma cujo mundo desaba quando ela perde seu dinheiro e seu homem.

Mas Cate Blanchett comentou que já conheceu pessoas semelhantes. "Devido às circunstâncias ou à falta de confiança, a identidade delas acaba sendo absorvida por seus parceiros. Sem se darem conta do fato, elas abrem mão de sua autonomia e se contentam com a segurança."

Woody Allen comentou que muitas vezes gostaria de representar as mulheres de seus filmes, mulheres que se autorizam a ser "emotivas, sarcásticas e bombásticas."

"Eu sempre quis representar esses papéis", comentou. "Sempre senti que eu poderia representá-los, porque eu tenho esse tipo de sentimento."


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