Folha de S. Paulo


Encomenda travou escritores da coleção Amores Expressos

Crises de inspiração, acúmulo de trabalho e dificuldade em lidar com o tema da série partiram o coração de muitos escritores do projeto Amores Expressos.

"Esse negócio de livro de encomenda não deu certo para mim", assume Reinaldo Moraes. Pelo projeto, ele foi para a Cidade do México no final de 2007. Tentou escrever sua história de amor logo em seguida, mas perdeu-se em meio a detalhes da trama.

Série Amores Expressos rende mais 3 livros e 'DR' sobre limites da literatura por demanda

"Queria fazer um thriller simples, mas me enrolei com a genealogia do protagonista. Já estava com umas 200 páginas escritas e ele ainda não tinha chegado ao México."

Editoria de Arte/Folhapress

Enquanto desenvolvia a trama, Moraes também viu-se assoberbado com outros trabalhos: finalizou "Pornopopeia", lançado em 2009, e começou outros dois livros.

Pretende retomar a história mexicana, em versão mais enxuta, assim que concluir os outros dois --o que espera fazer em breve.

"Fiquei muito tolhido por ser encomenda. Ainda acho que a literatura é um templo sagrado", diz. "Livro de encomenda só aceito de novo se estiver passando fome", completa, aos risos.

A história de amor de Lourenço Mutarelli também não teve até agora seu beijo final em frente ao mar. Ele concluiu seu livro sobre Nova York no começo de 2009. Diz que a Companhia das Letras fez uma série de restrições --por exemplo, contra as citações que abriam cada capítulo. "Mas o romance era muito ruim mesmo, acabei concordado com eles", diz.

Mutarelli acatou as mudanças sugeridas, mas aí foi ele que não ficou satisfeito.

Uma espécie de bloqueio em relação à trama deixou o livro "descansando" por um tempo. Agora resolveu recomeçar do zero.

Antonio Prata teve dificuldades parecidas ao voltar de Xangai, mas com um agravante --a encomenda feita pelo projeto Amores Expressos seria seu primeiro romance. Tentou duas versões de sua trama, mas não gostou do resultado.

"A dificuldade é uma questão inerente à escrita. A produção de um romance é sempre difícil, demorada, independentemente de ser encomenda ou não", argumenta.

Embarcar em sua primeira trama longa também exigiu mais esforço de Antonia Pellegrino, que pretende entregar sua história passada em Bombaim em setembro.

"Voltei da Índia em dezembro de 2007 e comecei a escrever logo em seguida, mas achei o material ruim e eu mesma abortei", relembra.Depois de "uma certa ressaca" com a história, iniciou uma nova versão em 2011.

"Eu faço roteiro para cinema e TV, mas encomenda em literatura é muito difícil. Exige uma entrega muito maior. São naturezas muito diferentes."

O problema de Adriana Lisboa foi mais específico. Ela conta que em janeiro de 2008 concluiu seu livro situado em Paris, mas deparou-se com uma "questão estrutural quase insolúvel".

O romance é inspirado em uma história real --ela não revela qual--, e a escritora não sabe se deixa isso explícito logo no início do livro ou não.

Nesse meio-tempo, Lisboa escreveu dois outros livros, incluindo "Hanói".

Sobre a coleção de histórias de amor ainda está em dúvida. "Pode ser que eu retome o livro para reescrevê-lo, ou aproveite partes dele noutro trabalho, ou então que eu desista de tudo."

SEM PRESSÃO

André Conti, que editou pela Companhia das Letras três livros da coleção, avalia que a periodicidade dos lançamentos foi dentro do padrão.

"Livro leva um tempo mesmo. Você não pode tirar a fórceps de ninguém", diz.

"Por ser de encomenda, um trabalho não vai ser necessariamente menos pessoal. O livro do Bernardo Carvalho, por exemplo, é um dos melhores que ele já escreveu. O do Paulo Scott é outro baita livro, é o estilo dele puro", completa.

Apesar de todos os infortúnios, os escritores do projeto contam que Rodrigo Teixeira, criador da coleção, nunca exerceu qualquer pressão.

"Percebi que não tem como botar prazo em literatura. O autor precisa de uma série de atividades paralelas para sobreviver. Por isso não podem focar seu tempo apenas na produção de um livro."

No momento, ele prepara a adaptação para o cinema dos dois primeiros livros a serem lançados, "Cordilheira", de Daniel Galera, e "O Filho da Mãe", de Bernardo Carvalho.

Esse último terá como roteirista Julian Fellowes, criador da série de TV "Downton Abbey". "Se tudo der certo, só com esses dois filmes já pago a conta e fico com lucro."

Teixeira reconhece que nem todos os livros da série irão virar filme, mas diz que o resultado geral é "muito bom". Depois do começo turbulento, torce por um amor tranquilo para sua coleção. (MARCO RODRIGO ALMEIDA)


Endereço da página:

Links no texto: