Folha de S. Paulo


Autora Lucrecia Zappi recria sertão em obra feita nos EUA

Numa época em que tantos escritores brasileiros privilegiam tramas universais, que poderiam se passar em qualquer lugar do mundo, vem dos EUA, originalmente escrita em inglês, por uma brasileira nascida em Buenos Aires e formada em Amsterdã, uma história com pés fincados no sertão nordestino.

"Onça Preta" (Benvirá), romance de estreia da jornalista Lucrecia Zappi, 40, tem na gênese esse percurso internacional. Sua primeira versão surgiu no mestrado em escrita criativa na Universidade de Nova York, de 2007 a 2009, sob orientação de ninguém menos que E.L. Doctorow, autor do aclamado "Ragtime".

Mas não poderia ser mais brasileiro. A protagonista, Beatriz, é uma estudante paulistana de botânica de 19 anos em busca do pai na Chapada Diamantina, na Bahia.

Margaret Gibbons/Divulgação
A jornalista, tradutora e escritora Lucrécia Zappi
A jornalista, tradutora e escritora Lucrécia Zappi

Com descobertas feitas de silêncios, a garota vai parar numa pousada, cercada por aqueles que acredita serem seus familiares e onde se vê integrada a uma rotina tão estrangeira quanto familiar.

O árido cenário, "lugar fantasmagórico, abandonado, com mais lembranças do que os que sobraram para contar", é central como sua busca.

"Por ser a 'estrangeira na sala de aula' [no mestrado], acho que minha experiência tomou outro viés, foi quase um estudo antropológico da 'outra voz'", conta Lucrecia por e-mail, de Viena, para onde viajou nesta semana a trabalho para a galeria do marido, a Luhring Augustine (NY).

No curso, não havia opção a não ser escrever em inglês, mas mais difícil, ela diz, foi recriar o ritmo em seu próprio idioma ao se dar conta de que o que tinha "era mais um esqueletão do que viria a ser o romance em português".

"Vi no meu texto uma coisa árida realista americana, algo de que não desgosto, mas que não funcionava. A ida e vinda entre inglês e português me fez pôr tudo na balança."

O curso a ajudou a atentar para a coerência da voz e a construção dos personagens. Não foi mal ter aulas também com a contista Lydia Davis, convidada da última Flip.

ILUSTRAÇÕES

No processo de revisão, o romance se tornou ilustrado. "Um dia, sem saber se apagava um trecho ou não, comecei a desenhar uma onça e me dei conta de que essa inquietude era da personagem."

Os cerca de 20 desenhos compõem algo como um bloco da viajante, relacionados àquilo que se conta.

Formada na Academia de Arte Gerrit Rietveld, em Amsterdã, Zappi sempre fez trabalhos relacionados às artes plásticas, inclusive na Folha, onde trabalhou de 2002 a 2005, como repórter da "Ilustrada" e do "Folhateen".

Reprodução
Ilustração de Lucrecia Zappi para o livro 'Onça Preta
Ilustração de Lucrecia Zappi para o livro 'Onça Preta'

De Buenos Aires, onde nasceu, saiu aos quatro anos, em 1976, achando que vinha em cruzeiro de férias para o Brasil --história inventada pelos pais, argentino e brasileira, para não demonstrar o medo da ditadura naquele país.

Viveu aqui até os 16 anos, mudou-se para o México, onde reaprendeu o espanhol, e de lá para a Holanda, por cinco anos, antes de retornar ao Brasil, em 1997. Embora viva hoje em Nova York, diz se sentir "100% paulistana".

Sentirá um gostinho de casa no próximo dia 20, quando vem a São Paulo para o lançamento de "Onça Preta", na Livraria da Vila - Lorena.

ONÇA PRETA
AUTORA Lucrecia Zappi
EDITORA Benvirá
QUANTO R$ 39,90 (240 págs.)


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