Folha de S. Paulo


Premiada escritora Alice Munro se aposenta (de novo)

Ao aceitar um prêmio literário no mês passado em Toronto (Canadá), Alice Munro, a aclamada escritora de contos e vencedora do Prêmio Internacional Man Booker, disse: "Provavelmente não vou mais escrever".

Munro, que completou 82 anos neste mês, já disse isso antes.

Em 2006, ela falou ao jornal "The Toronto Globe and Mail": "Não sei se ainda tenho energia para fazer isso". Depois, publicou mais uma coletânea de contos, "Dear Life" [Querida vida].

Peter Morrison/AP
A autora Alice Munro, em imagem de 2009
A autora Alice Munro, em imagem de 2009

O livro foi publicado no último outono, e os críticos, como sempre, notaram que ela trata com grande perspicácia de temas como a vida desolada nas pequenas cidades, o poder efervescente e transformador do sexo e as dificuldades que as mulheres encontram para abrir caminho em um mundo dominado por homens.

Mas, no mês passado, sentada na varanda de sua casa, Munro insistiu que desta vez realmente quer se aposentar. Ela parecia alegre e descontraída e disse que não haverá outros livros depois de "Dear Life".

Munro afirmou que foi incentivada pelo exemplo de Philip Roth, que declarou ter concluído sua obra no último outono, ao se preparar para os 80 anos. "Ele parece tão feliz agora", disse ela.

Em 2009 Munro revelou que se submeteu a uma cirurgia de ponte de safena e foi tratada de câncer, mas disse que agora sua saúde está boa --ou melhor, não muito ruim. "É assim que dizemos no Canadá", explicou.

A grande comoção recente em sua vida, acrescentou, foi a morte em abril de seu segundo marido, Gerald Fremlin.

"Agora, eu faço coisas propositalmente para subir à superfície da vida", disse ela. "Apenas me parece natural hoje fazer o que as pessoas de 81 anos fazem." Ela riu e acrescentou: "Se você puder me dizer o que é isso".

Munro é conhecida por sua reclusão e aversão à publicidade. Desde os 14 anos, soube com certeza que queria ser escritora.

"Mas, naquela época, você não saía anunciando uma coisa dessas", disse. "Você não chamava a atenção. Talvez fosse por ser canadense, talvez por ser mulher. Talvez ambos."

Ela completou fielmente sua cota diária de páginas enquanto criava três filhas e ajudava seu primeiro marido, James Munro, a dirigir uma livraria. Ela persistiu no ofício apesar de não ter muito reconhecimento no início. Sua primeira coletânea foi publicada somente em 1968.

Ela começou a conquistar reputação com seu quinto e seu sexto livro, "The Moons of Jupiter" (1982) [As luas de Júpiter] e "The Progress of Love" (1986) [O progresso do amor]. Lentamente, então, ela ascendeu ao que a escritora Margaret Atwood chamou de "santidade literária internacional".

"Hoje eu sinto que não tenho mais energia", disse ela. Acrescentou: "Existe uma sensação boa agora em ser igual a todo mundo. Mas isso também significa que a coisa mais importante da minha vida desapareceu. Não, não a coisa mais importante. A mais importante era meu marido, e agora os dois se foram."

A casa de Munro, um chalé do século 19, é a casa em que Fremlin cresceu.

Munro foi criada em Wingham, outra cidadezinha a cerca de 30 quilômetros ao norte.

Essas cidades e a região rural ao redor do condado de Huron são o mundo da ficção de Munro: comunidades isoladas onde a ambição é malvista --especialmente nas mulheres--, onde os desejos são mantidos em segredo e onde todo mundo sabe, ou pensa que sabe, da vida dos outros. "Para mim, é o lugar mais interessante do mundo", disse Munro.

Ela acrescentou, porém, que Huron mudou desde que ela começou a escrever. "Creio que minha escrita está um pouco no passado. Não tenho certeza se é do tipo que eu faria se começasse a escrever hoje."

"Enquanto trabalhava nos meus primeiros cinco livros, eu desejava escrever um romance", disse. "Pensava que enquanto não escrevesse um romance não seria levada a sério como escritora. Isso me perturbava muito, mas hoje nada me perturba. Além disso, houve uma mudança. Acho que os contos hoje são levados mais a sério do que naquela época."

Outra coisa que incomoda Munro menos do que antes é o processo de envelhecer, assunto tratado por alguns de seus melhores contos. "Não há nada que se possa fazer a respeito disso, e é melhor do que estar morta. Sinto que fiz o que eu quis fazer. Isso me deixa bastante contente."


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