Folha de S. Paulo


Tobias Wolff e Juan Pablo Villalobos debatem voz literária e inspirações na Flip

O escritor americano Tobias Wolff e o mexicano Juan Pablo Villalobos fizeram no fim da tarde desta sexta-feira (5) uma mesa dedicada à relação entre memória e ficção. Villalobos veio à Flip em substituição ao norueguês Karl Ove Knasgard, que cancelou sua vinda pouco antes do evento.

Escritores que têm as memórias e confissões pessoais como elementos muito fortes em suas obras, Wolff e Villalobos falaram sobre a importância de encontrar uma voz literária especifica para cada história que contam.

"Quando decidi escrever 'Festa no Covil', que são as memórias de um filho de um traficante mexicano, a escolha da voz infantil na narrativa foi fundamental para que o livro não tivesse uma posição moralista e relação à violência, às drogas e aos dramas mexicanos", disse Villalobos.

Memorialista consagrado, Wolff defendeu a escolha dessa voz pelo autor, a despeito de que a realidade na qual ele se baseou seja um tanto diferente.

E ilustrou de maneira divertida, contando que um dos pontos de ruído de seu livro de memórias "O Despertar de um Homem" dizia respeito a um antigo cachorro de sua família, descrito por ele como horroroso na obra.

"Quando minha mãe leu, ficou revoltada, dizendo 'mas o nosso cachorro era lindo'. Eu disse a ela que as memórias eram minhas, o texto era meu e que, se eu não pudesse confiar na minha memória, não teria começado a escrever."

INSPIRAÇÕES

Tanto Wolff quanto Villalobos falaram de fatos de suas vidas que terminaram por inspirar romances e contos. No caso do mexicano, ter crescido em uma cidade minúscula de um México dominado pela violência e pela guerra contra as drogas.

Provocados pela mediação da mesa, os dois autores se puseram a discutir o impulso da mentira como motor da literatura e, por tabela, de suas memórias.

"Minha primeira ficção foi quando, aos 14 anos, eu sonhava em ganhar uma bolsa de estudos na costa leste dos EUA, longe de onde eu vivia. Eu não merecia a bolsa porque era um péssimo aluno, mas criei cartas de recomendações fantásticas dos mesmos professores que haviam me reprovado, dos técnicos de beisebol pelos quais eu não era treinado e consegui a bolsa."

Além de mentiras, os autores falaram da violência em suas obras. No caso de Wolff, contando que lhe interessa a violência subjacente, psicológica, traumática.

"É um espanto que vivendo numa casa cheia de armas e em que duas pessoas se odiavam tanto, como eu e meu pai, é um milagre que ninguém tenha morrido --mas note que a violência era também a tensão existente entre nós."

Para Villalobos, era impossível não se deixar influenciar pela violência, que sempre foi uma marca do México contemporâneo. "Outro aspecto ou tipo de violência que me interessa é a violência verbal, o insulto --tema, aliás, do meu segundo romance, em que retrato a violência na forma de repressão social, quando só resta ao oprimido o direito ao insulto."

Perguntados pela plateia sobre conselhos que dariam a jovens autores, os dois concordaram que, apesar da experiência de vida ser fundamental para se chegar a uma obra pretendida, nada é tão importante quanto a leitura, a pratica literária.

"É como uma música que se pratica todos os dias. Em certo momento, os acordes sairão naturalmente de suas mãos."


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