Folha de S. Paulo


Política e crise de geração esquentam debate na Flip

A política, um dos temas centrais da Flip 2013, também esquentou o debate na tarde desta quinta (dia 4) na Flip.

Os escritores Paulo Scott e José Luiz Passos, com mediação de João Gabriel de Lima, participaram do encontro "Formas de Derrota".

Scott é autor dos romances "Habitante Irreal" e "Ithaca Road". Passos lançou recentemente o romance "O Sonâmbulo Amador". Em comum, as tramas desses livros traduzem as desilusões, tanto pessoais quanto políticas, de seus protagonistas, seres perdidos em um universo com poucas --ou nenhuma-- possibilidade de redenção.

"Meu interesse era contar a história de alguém para quem o desencantamento com a vida acontece com certa graça, com leveza. O meu modelo foi o de 'Dom Quixote', da amizade, de amigos que compartilham o sonho um do outro", argumentou Passos.

O tema provocou um debate sobre política, sociedade e conflitos de geração.

"Eu escrevo a partir do que me incomoda em mim mesmo, do que me incomoda nos outros e de como eu incomodo os outros", disse Scott.

"A Narelle [protagonista de 'Ithaca Road'] é mais uma dessas pessoas com mais de 30 anos, emancipada, mas que não consegue amadurecer. É como essas muitas pessoas de 40, 50 anos que se vestem e se comportam como idiotas, com bonezinho, short", completou.

Por meio dos desacertos de seus personagens, Scott pretendeu fazer uma balanço crítico de sua geração.

"É um acerto de conta. Nós militamos e juramos que não cometeríamos os mesmos erros no processo de redemocratização. Mas nós falhamos. É preciso assumir a impossibilidade de realizar nossos sonhos de juventude e aprender a suportar essa derrota", disse, sendo muito aplaudido.

De forma mais ou menos evidente, os dois autores trabalham em seus livros com panoramas políticos que escapam da partidarização e do maniqueísmo.

"É um engano pensar que a política se restringe à militância partidária. Eu escolhi tratar da política pelo ponto de vista da amizade. O 'Sonâmbulo' se passa em 1966, o contexto é o da ditadura. Mas o romance não é sobre a ditadura. E sim sobre um sujeito, Jurandir, que incorpora os projetos e toma de empréstimos sonhos de outras pessoas", explica Passos.

O PAPEL DA FICÇÃO

Scott, que se declarou fã do trabalho de Passos, retomou a questão da amizade e afirmou que não conhece nada mais político do que a relação professor e aluno.

Para o escritor, os problemas políticos do Brasil são fruto da má qualidade da educação no país. Um povo não instruído, comentou, tem pouco poder para contestar.

"E aí nós enfrentamos essa situação. Sujeito é ministro e vice-governador... outro tem coragem de propor uma lei para curar..." afirmou, sem completar a fase, sendo novamente muito aplaudido.

Scott referia-se, respectivamente, a Guilherme Afif Domingos (PSD), que acumula os cargos de vice-governador de São Paulo com o de ministro da Micro e Pequena Empresa, e ao fato de a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, presidida pelo deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), ter aprovado proposta que permite a psicólogos oferecer tratamento para a homossexualidade - a chamada "cura gay.

A proposta foi arquivada pela própria Câmara na última terça (dia 3).

Para Passos, o papel da ficção é justamente trazer esses assuntos à tona.

"A grande ficção é um exercício de imaginação e de possibilidades. Claro que há opção política e responsabilidade quando você representa a vida. A literatura tem a capacidade de chamar a atenção do leitor para questões complexas. Isso é um ato político", concluiu.


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