Folha de S. Paulo


Crítica: Vazio e enfadonho, livro 'Luz Antiga' exige indulgência de seu leitor

Pode-se escolher entre dois caminhos na abordagem de "Luz Antiga".

Um é a indulgência escorada na obra anterior de John Banville (que conta com títulos marcantes como "Livro das Provas", além do premiado e um tanto quanto superestimado "O Mar" ), um daqueles autores que atingiram uma "aura" de veneração automática em torno de si.

Outro é o aborrecimento indisfarçável com um romance que parece ter sido escrito num jorro de descarada autocomplacência.

O ficcionista irlandês, que participa da Flip no dia 6/7 (os ingressos estão esgotados), não se vexa em transformar sua narrativa numa mixórdia de elementos desconexos, ou melhor, numa finória lengalenga, cheia de truques fáceis de veterano da ficção ("O sol de inverno --não, não, era verão, pelo amor de Deus, não perca o fio!").

Brendan McDermid - 8.nov.2005/Reuters
O escritor John Banville durante entrevista em Nova York, nos EUA
O escritor John Banville durante entrevista em Nova York, nos EUA

O sessentão Alexander Cleave, ator aposentado, amargando o suicídio da filha disfuncional, é convocado para o elenco de um filme sobre um pensador de reputação polêmica.

Entrementes, ele evoca sua iniciação amorosa (aos 15 anos) com a mãe do melhor amigo. Nunca convence essa condição de ator para o protagonista de "Luz Antiga" e ela nunca deixa de ser mero disfarce maltrapilho para o escritor (não no sentido autobiográfico, mas de atividade profissional mesmo).

Até quando se envolve nas intrigas da produção ("fugindo" com a atriz principal), nunca o sentimos como um intérprete de fato, a não ser por vagas e banais considerações.

A reconstituição do caso com a sra. Gray poderia, então, ser o trunfo da arte banvilliana. Ele adota uma prosa do tipo "suntuosa" (que em português, pelas mãos de Sérgio Flaksman, se torna por vezes "untuosa", como no trecho em que se fala de um "marido indizível", sabe-se lá o que é isso).

A meu ver, entretanto, ele acaba se saindo mais um sub-Nabokov, carreando o pior lado do autor de "Lolita", um tom afetado (as referências mitológicas desnecessárias: "um Teseu, abandonado em Naxos, enquanto sua Ariadne se entregava despreocupada aos seus afazeres"), sem o seu encanto luxuriante e indiscutível genialidade.

No final do percurso, nos damos conta de quão enfadonha e vazia foi a leitura.

A não ser que se peça emprestado um pouco do brilho das realizações melhores de seu criador, "Luz Antiga" se desvanece num lusco-fusco tão inapelavelmente irrelevante quanto certas conclusões do narrador: "o maior de todos os meus enigmas, a saber, eu mesmo".

ALFREDO MONTE é doutor em teoria literária pela USP e criador do Monte de Leituras (www.armonte.wordpress.com)

LUZ ANTIGA
AUTOR John Banville
EDITORA Globo Livros
QUANTO R$ 39,90 (336 págs.)
AVALIAÇÃO ruim


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