Folha de S. Paulo


Manifestações em São Paulo viram tema de debate no Festival da Mantiqueira

As manifestações contra o aumento da tarifa de transporte em São Paulo deram o tom da última mesa deste sábado (15) no Festival da Mantiqueira, em São Francisco Xavier (SP).

Os escritores Cadão Volpato e Paloma Vidal fizeram bate-papo que misturou história e política.

Voltapo lançou recentemente seu primeiro romance, "Pessoas que Passam pelos Sonhos" (ed. Cosac Naify). A trama retrata amizade entre um brasileiro a um argentino, tendo como pano de fundo as ditaduras no Brasil e na Argentina nos anos 1970.

Ao comentar o enredo, Cadão disse que seu livro tem uma relação muito forte com os conflitos entre a Polícia Militar e os manifestantes em São Paulo.

"Raramente fiquei tão chocado vendo uma imagem como fiquei nesta semana, em São Paulo. Nos anos 1970, nós estávamos na rua, fazendo algo parecido", afirmou.

Cadão comentou que "todo mundo que levou bala de borracha, cassetete ou que apanhou da polícia em uma ação hipertruculenta tinha entre seus 20, 25 anos", o que o fez lembrar dos personagens de sua história, quando, nos anos 1970, "ser jovem e cabeludo era um passaporte rápido para a prisão".

"A polícia fez um trabalho monstruoso, me assustou. Nunca vi um tanque varrendo a Paulista. Duvido que essa coisa toda tenha a ver apenas com os 20 centavos de aumento. Isso tem demandas mundiais", comentou.

Perguntado pela plateia sobre os crimes cometidos pelo governo militar durante a ditadura, o escritor defendeu que os casos sejam investigados.

"Tem gente que torturou meninas e está por aí, impune. Essas pessoas estão entre nós. Isso precisa ser colocado. A família desse sujeito saber que ele fez isso já é uma punição bem bacana", afirmou, sob aplausos do público que lotou a tenda do festival.

Cadão, de certa fora, pretendeu fazer em seu romance um balanço sobre sua geração, formada nos anos 1960 e 1970, e os rumos tomados pelo país nos dias de hoje.

"Muitos daqueles militantes que estavam com a gente viraram governo hoje e não são as melhores pessoas do mundo. Eu e meus amigos nos sentimos traídos. Porque na real o poder parece que corrompe absurdamente. Parece uma coisa sem saída."

Apesar disso, diz ter muita esperança na nova geração.

"O que vi nas ruas nesta semana me fez voltar a acreditar que alguma coisa vai ser feita neste país. Gente jovem erra, erra a mão, faz coisas que espantam as pessoas que estão sentadas em casa. Mas me vi muito naqueles garotos."

RODOLFO WALSH

Nascida em Buenos Aires, Paloma Vidal publicou em 2012 o romance "Mar Azul" (ed. Rocco). Conta a história de uma mulher no começo da velhice que começa a rever sua história ao ler os diários do pai.

A trama é uma homenagem ao escritor argentino Rodolfo Walsh (1927-1977). Ele escreveu "Operação Massacre" (1957), que narra a história real do assassinato de um grupo de civis, tomados como militantes de uma tentativa de golpe de Estado, pela polícia argentina.

Walsh foi morto pelas forças da ditadura argentina em 1977. Pouco antes, escrevera uma "Carta Aberta à Junta Militar", em que denunciava os crimes do governo.

Outra inspiração da escritora foi o também argentino Adolfo Bioy Casares (1914-1999).

Nos anos 1960 e 1970, se pensava muito na identidade latino-americana. A literatura circulou em torno disso. Isso foi apropriado na Europa como uma forma de exotismo. É um desafio pensar hoje nessa história sem esse olhar exótico."


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