Folha de S. Paulo


Mostra revê pensamento bélico de Debord, cérebro do Maio de 68

Em tempos de revolta em São Paulo e Istambul, e na ressaca da Primavera Árabe, uma mostra em cartaz na Biblioteca Nacional da França, em Paris, revê o legado do cérebro por trás dos protestos de maio de 1968, a revolução-modelo para tempos de crise.

Guy Debord, autor de "A Sociedade do Espetáculo", tem a obra revista a partir de seu caráter bélico numa exposição abrangente, que começa com suas anotações penduradas num círculo que rodeia o público na entrada -o "coração da obra", nas palavras de seus organizadores.

Divulgação
Guy Debord em colagem
Guy Debord em colagem "Chutes de Phrases Découpées (Après Mémoires)", feita em 1958

Esse coração por pouco não saiu de Paris e foi vendido à Universidade Yale, nos Estados Unidos. Fora das caixas onde estavam guardados por sua viúva, os documentos comprados pelo governo francês por cerca de R$ 7,7 milhões escancaram a filosofia de Debord, líder do movimento situacionista, que é agora redescoberto pelos franceses.

Na convulsão cultural que varreu a França no fim dos anos 1950 e fez rever as regras do romance - "nouveau roman"- e do cinema -"nouvelle vague"-, os situacionistas que gravitavam em torno de Debord, morto em 1994, queriam desmanchar as vanguardas, atacando a arte, a literatura e o urbanismo.

"Eles se opuseram a tudo isso em nome de uma criação mais livre", diz Laurence Le Bras, curadora da mostra, à Folha. "Queriam uma vanguarda que batesse de frente com artistas que trabalhavam para a indústria. Eram contra a Bauhaus, o mercado de arte e a arquitetura racional."

É na arquitetura, aliás, que se concentra talvez a parte mais radical do pensamento de Debord, homem que cunhou o conceito de deriva, hoje tão caro às artes visuais.

Sua ideia era rever o urbanismo. Os espaços e as ligações entre eles deveria se dar de forma afetiva, o que chamou de "psicogeografia", e não pelo modo comum de ruas e avenidas.

TITÂNIO E SELVAGENS

Na mostra parisiense, estão maquetes de cidades hipermodernas. "Eram espaços construídos em titânio e alumínio, embora o ponto de partida seja primitivo", diz Le Bras. "A ideia era transformar o homem de volta em selvagem, num novo nômade."

Seu foco nas ruas e nesse nomadismo acabou provocando a reprodução de seus slogans nos muros de Paris durante as revoltas estudantis. No fim dos anos 1960, Debord percebeu que para pôr em prática sua filosofia deveria abraçar a política no lugar da arte.

A influência de Debord se tornaria evidente. Os mapas da colagem dos lambe-lambes pró-revolução, expostos na mostra, guardam grande semelhança com os mapas da Paris que Debord frequentava, como se o roteiro dessa "arte da guerra" fora traçado por ele em primeira mão.

"Ele pregava uma revolução nas ruas", diz Le Bras. "Em última instância, propunha um capitalismo estatizado, em que a burguesia seria substituída pelo Estado. Era seu socialismo da barbárie."


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