Folha de S. Paulo


Série "Psi", escrita por Contardo Calligaris, mostra psicanalista fora do consultório

Como será quando um psicanalista desabafa? No caso de Carlo Antonini é assim:

"Eu sei que estou cansado quando começo a tagarelar como se fosse um conselheiro espiritual ou um biscoito de restaurante chinês. Freud disse que a psicanálise pode levar alguém até a beira do rio, mas a decisão de atravessar é dele. Estou cansado de levar tanta gente até a beira do rio."

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O cansaço do exercício da tripla profissão (ele é também psiquiatra e psicoterapeuta) alcança Carlo (Emílio de Mello) no 13º e último episódio da temporada de "Psi".

Fabio Braga/Folhapress
Contardo Calligaris (esq.) e o ator Emílio de Mello, durante entrevista no consultório do psicanalista, em SP
Contardo Calligaris (esq.) e o ator Emílio de Mello, durante entrevista no consultório do psicanalista, em SP

Escrita pelo psicanalista e colunista da Folha Contardo Calligaris e por Thiago Dottori para a HBO, "Psi" tem estreia prevista para 2014 em toda a América Latina.

Na cena gravada na noite de terça passada em São Paulo, Emílio de Mello teve de repetir algumas vezes o desabafo de Carlo para a amiga (e também psicanalista) Valentina (Claudia Ohana) até que ela ficasse bem ao gosto do diretor Marcus Baldini ("Bruna Surfistinha").

Nada com que Mello já não esteja acostumado. "Baldini nunca está satisfeito com nada", afirma o ator, que diz gostar do estilo. "Acho bom. Isso me instiga e me desafia."

Desafio é a palavra-chave de Baldini quando ele fala sobre "Psi". O diretor cita o desafio de "fazer uma série inovadora, diferente, com tratamento cinematográfico".

O desafio de "abordar temas de relevância humana, universal, com personagens que exemplificam diferentes perfis psicológicos".

E o desafio de que as histórias não soem como "um mosaico de personagens bizarras, mas tenham o lugar do aceitável" para o público.

A aparente anormalidade das personagens é uma escolha dramatúrgica pela qual Calligaris enuncia a ideia de que "a maior das patologias é a normalidade".

AVENTUREIRO

Aborto, drogas e extremismo religioso são alguns dos temas que o roteirista aborda na série. "Mas as questões sociais são levantadas por meio da ação. Não se fica falando nelas", diz. Os temas emergem nas experiências aventureiras que o 'psi' vive fora de seu consultório.

O personagem Carlo Antonini é conhecido dos leitores de "O Conto do Amor" e "A Mulher de Vermelho e Branco", ambos de Calligaris, editados pela Cia das Letras.

As experiências que ele vive na série, porém, são inéditas. Algumas facetas de sua personalidade exibidas em "Psi" também, afirma Mello, que, familiarizado com o Carlo dos livros, surpreendeu-se com o da série.

Ser "imprevisível", diz o ator, talvez seja a principal característica de Carlo, que também "é impaciente, acha que tem mais razão do que os outros, sente antipatia pelas emoções triviais e pelo clichê do terapeuta que resolve tudo, com uma atitude de 'impávido colosso'".

Na definição de Calligaris, Carlo é "curioso, invasivo, amante do risco, um pouco fóbico e acha que se separou da mulher, embora ela ache que eles nunca se juntaram".

Conclusão: "Psi" promete girar em torno de um personagem exuberante e um pouco chato, mas também autoirônico o bastante para se comparar com um biscoito da sorte de restaurante chinês.

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RAIO-X
CONTARDO CALLIGARIS

NASCIMENTO
em 1948, em Milão

PROFISSÃO
psicanalista, doutor em psicopatologia clínica; escritor e colunista da Folha

CARREIRA
Clinicou na França e em Nova York, além de São Paulo; professor de psicanálise (Vincennes), estudos culturais (New School de Nova York) e antropologia (Berkeley)

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RAIO-X
EMÍLIO DE MELLO

NASCIMENTO
em 1965, em São Paulo

FORMAÇÃO
arte dramática, pela USP (Universidade de São Paulo)

CARREIRA
trabalha em teatro ("In on It", "A Prova", "Baque", "Ensaio Hamlet"), cinema ("Amores Possíveis", "Cazuza") e TV ("Anos Rebeldes", "JK")


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