Folha de S. Paulo


Gênero 'intranquilo', ensaio ganha viés mais pessoal

Um gênero intranquilo, na definição do crítico português João Barrento. Ou uma ciência sem prova explícita, como escreveu o filósofo espanhol José Ortega y Gasset.

O ensaio, espécie de exercício literário da razão sem o rigor do estudo científico, nunca foi gênero de fácil definição. Mas num ponto especialistas tendem a concordar: sua evolução nas últimas décadas vem lhe angariando público mais amplo.

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Crítica: Entre ficção e realidade, autor Geoff Dyer mergulha no imaginário do jazz

O sucesso de autores cult como o inglês Geoff Dyer e o americano David Foster Wallace ou o surgimento de best-sellers como o suíço Alain de Botton resultam dessas sutis transformações, que incluem a fragilização do vínculo acadêmico e o fortalecimento de um discurso mais intuitivo.

Editoria de Arte/Folhapress

"A realidade atual se presta a esse novo ensaísmo. Como grandes questões universais se fragmentaram, com o esgotamento de temas como esquerda e direita, ateísmo e religião, o ensaísmo se espatifou em minidiscursos mais pessoais", diz o artista e escritor Nuno Ramos, expoente do gênero no Brasil.

Em "Ensaio Geral" (Globo, 2007), Ramos usa o discurso pessoal para tratar de temas como arte, música e futebol.

O jornalista e editor Paulo Roberto Pires é um entusiasta do gênero no Brasil. Desde que começou a editar a "Serrote", publicação quadrimestral de ensaios do Instituto Moreira Salles, promoveu dois concursos do gênero.

No primeiro, concorreram 186 textos, das quais 20 mereceram atenção mais detida. Venceu o professor de filosofia da Unifesp Luciano Ferreira Gatti, com o ensaio "Os Duplos de Sebald" --um sinal de que a universidade, apesar das mudanças, ainda tem forte ligação com o ensaísmo.

"O gênero passa pela academia, embora não coincida com a teoria praticada na universidade", esclarece Francisco Bosco, autor de "Alta Ajuda" (Foz) e um dos ensaístas nacionais mais elogiados hoje, ele próprio doutor em teoria literária pela UFRJ.

O segundo concurso de ensaísmo da "Serrote" está com inscrições abertas até o próximo dia 30 pelo site revista serrote.com.br e premiações de R$ 2.000 a R$ 5.000 para os três primeiros lugares.

Pires diz que o mais difícil é encontrar concorrentes que entendam de fato o formato. Na edição anterior do concurso, um dos textos inscritos era de uma mulher que descrevia sua vida sexual. Não passou da primeira triagem.

"Ensaio é um texto de não ficção curto para médio que defenda um ponto de vista não necessariamente original. É sobre o já sabido, como diz [o crítico Antonio] Candido. Percorre-se um caminho já percorrido para fazer com que o leitor veja a questão por outro ângulo", define.

O editor é da opinião de que alguns dos melhores momentos do ensaio brasileiro estão intimamente ligados à academia, caso do próprio Candido e de discípulos intelectuais seus, como Roberto Schwarz e Davi Arrigucci Jr.

O formato pelo qual Geoff Dyer é hoje um dos nomes mais conhecidos, o ensaio pessoal, ainda não se disseminou no Brasil. Um exemplo foi o texto "Sobre Ser Filho Único", publicado na "Serrote" em 2011.

Integrante do livro "Working the Room", de 2010, inédito no Brasil, o ensaio parte da experiência do autor de não ter tido irmãos para imaginar como esse fator interfere na vida de uma pessoa.


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