Folha de S. Paulo


Maitena expurga relação do pai com a ditadura em seu romance

"Quando você tem 30 anos, fazer piadas sobre celulite é algo engraçado. Aos 50, o que vai acontecendo com seu corpo deixa de ter qualquer graça." Assim, Maitena Burundarena, 50, resume a razão pela qual deixou de desenhar há seis anos, aposentando, para sempre, suas séries "Mulheres Alteradas" e "Superadas".

Suas charges e quadrinhos, que tinham como tema os dramas das mulheres de todas as idades --o corpo, a busca por companheiros, a convivência com maridos e filhos, o envelhecimento, a pressão pela beleza e, claro, a luta contra a celulite--, tornaram-se um fenômeno de mercado e passaram a ser vendidas em mais de 40 países.

Subitamente, Maitena ganhou projeção internacional e passou a trabalhar febrilmente. Seu humor integrava-se a uma onda de obras feitas por mulheres para discutir e rir de aspectos da vida feminina contemporânea.

A ela pertenciam os fenômenos dos livros com a personagem Bridget Jones e a série norte-americana "Sex and the City", entre outras.

Mariana Eliano
A cartunista e escritora Maitena Burundarena, em Buenos Aires
A cartunista e escritora Maitena Burundarena, em Buenos Aires

"Eram os anos 1990 e as mulheres estavam na moda. Agora, estão na moda os gays", conta em entrevista à Folha, realizada no estúdio em que trabalha hoje, num edifício antigo situado numa esquina ruidosa do centro de Buenos Aires.

Maitena vem ao Brasil no fim do mês para lançar "Segredos de Menina", sua primeira incursão no mundo literário, e participar de um evento com o cartunista Laerte.

"O livro nasceu da necessidade de fazer algo diferente. Decidi que não ia mais trabalhar com nada que tivesse um 'deadline'. Afinal, foram mais de 13 anos escrevendo e desenhando piadas de mulheres todos os dias, para vários jornais do mundo. Fiquei esgotada e pensei: 'já ganhei muito dinheiro, não preciso mais'."

Com o que acumulou com os quadrinhos, comprou uma casa em uma paradisíaca praia do Uruguai, parou de fumar e de beber, e começou a se dedicar a ter uma vida saudável, ler e cuidar da filha mais nova, de 12 anos --Maitena tem três filhos, um de cada marido diferente.

Em "Segredos de Menina", de tom autobiográfico, a escritora conta a história de uma menina que cresce na Buenos Aires de fins do governo peronista ao mundial de 1978. Época conturbada e de muita violência social, em que tem início de uma das piores ditaduras latino-americanas.

Seu olhar é o de alguém que cresceu numa família de direita --seu pai foi ministro durante a ditadura--, mas que se posicionava contra as desaparições e mortes do regime.

"Há poucos olhares sobre como era a vida do lado das famílias que estiveram apoiando, de certa forma, a ditadura. Me custou muito, é um assunto muito delicado. Mas foi possível e serviu como uma terapia necessária com relação a meu vínculo com meu pai", disse.

Hoje, Maitena é uma defensora de Cristina Kirchner, e destaca os aspectos progressistas de seu governo, como os julgamentos de crimes contra a humanidade.

"Segredos de Menina" foi bem recebido na Argentina e na Espanha, e agora ganha tradução em outros países. A autora, por sua vez, já está trabalhando em seu próximo romance, que será sobre a relação entre mãe e filho.

"Não quero mais saber do humor. Agora quero dedicar-me a aspectos mais sérios da vida, ainda que os temas continuem a ser os mesmos, as relações humanas e familiares, porque são o que realmente interessa", resume.

"[SEGREDOS DE MENINA]"http://:livraria.folha.com.br/catalogo/1203486/segredos-de-menina?tracking_number=1411
AUTORA Maitena Burundarena
EDITORA Benvirá
QUANTO R$ 29,90 (256 págs.)


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