Folha de S. Paulo


Sobrevivente do corredor da morte narra seu drama em autobiografia

"Não quero ser o acidente de carro que todos param para olhar", esclarece o americano Damien Echols, 38, no prefácio da autobiografia "Vida Após a Morte", que acaba de sair pela Intrínseca.

Echols quase não é conhecido no Brasil, mas tem atraído atenção internacional desde 1994, quando um acidente de percurso o levou a ser condenado à morte pelo assassinato de três garotos de oito anos em Arkansas, nos Estados Unidos.

Aos 18 anos, ele --um jovem fã de heavy metal e adepto de um visual soturno-- foi acusado de empreender um ritual satânico na companhia de dois amigos adolescentes, Jason Baldwin e Jessie Misskelley --estes foram condenados à prisão perpétua.

Victoria Will/AP
Damien Echols e sua mulher, Lorri Davies, que o conheceu após ver filme sobre sua prisão
Damien Echols e sua mulher, Lorri Davies, que o conheceu após ver filme sobre sua prisão

As principais provas na ocasião foram depoimentos de duas testemunhas, que anos depois admitiram ter mentido, somados ao histórico de pequenos delitos dos rapazes e à confissão de um deles, Misskelley, considerada hoje um clássico exemplo de coerção policial.

Os três rapazes passaram 18 anos presos, embora desde 1996, quando a HBO produziu um documentário sobre o caso, houvesse críticas à investigação.

O filme teve duas sequências e atraiu a atenção de nomes como o músico Eddie Vedder, do Pearl Jam, o ator Johnny Depp e o cineasta Peter Jackson, que ingressaram numa campanha para libertar os jovens.

A história ainda reapareceu no documentário "West of Memphis", de 2012, produzido por Peter Jackson, com destaque para provas de DNA que fazem a suspeita recair sobre o padrasto de uma das crianças mortas em 1994.

O relato que Damien Echols publica agora é mais pessoal, e, por isso, como ele próprio sugere no livro, fica mais compreensível para quem assiste aos filmes ou pesquisa na internet sobre o caso.

"Quis mostrar que sou mais do que alguém que esteve no corredor da morte. Chega uma hora, depois de 18 anos preso, em que você mesmo começa a esquecer quem é", diz o autor, por telefone, de Massachusetts, onde vive hoje.

MANOBRA

Echols e os amigos saíram da prisão em 2011, graças a uma manobra jurídica que eximia a Justiça de Arkansas de erros no processo. Eles admitiram que o Estado tinha provas para condená-los, ao mesmo tempo em que alegaram inocência.

O livro de Echols, além de reunir memórias pessoais desde a infância pobre, é uma denúncia contra as condições do sistema penitenciário americano.

"Serei o seu mestre de cerimônias nesta visita guiada por esse cantinho do inferno", escreve, antes de detalhar humilhações impostas pelos guardas e a convivência com outros condenados.

"O que mantenho em mente é que não falo só do meu caso. Cada pessoa que lê o livro pode ser membro de um júri no futuro e garantir que inocentes não sejam presos", diz o autor.

Echols diz ter lido "milhares" de livros durante seus anos na cadeia. "Tentei esgotar todos os temas, psicologia, Guerra Civil americana, literatura." De Stephen King, acredita ter herdado algo do estilo literário.

A sua meta atual é se manter como autor de não ficção. Além de um volume com cartas que trocou com a mulher por 12 anos --em 1999, na prisão, casou-se com a arquiteta Lorri Davis, que conheceu sua história pela HBO--, pretende publicar uma obra sobre meditação.

O mais importante para ele, no entanto, é não deixar cair no esquecimento o assunto que faz com que se sinta "miserável".

"Nada é mais desagradável para mim do que falar sobre esse caso", afirma. "Mas só estou fora da prisão porque ficou claro que fomos vítimas de um erro. É preciso manter o tema até sermos oficialmente inocentados, e isso só ocorrerá quando os verdadeiros culpados forem condenados".

VIDA APÓS A MORTE
AUTOR Damien Echols
TRADUÇÃO Marcello Lino
EDITORA Intrínseca
QUANTO R$ 39,90 (416 págs.)


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