Algumas borboletas mimetizam perfeitamente outros animais para se protegerem de predadores.
Vladimir Nabokov, que dizia preferir seu trabalho como lepidóptero (especialista em borboletas) ao de escritor, chegou a nomear algumas espécies, rodou mais de 200mi km atrás desses insetos com sua mulher, Véra, e utilizou várias de suas características como metáfora e objeto de sua obra literária.
Contos de Vladimir Nabokov ganham antologia
Agora, Lila Azam Zanganeh, convidada da Flip e, de certa forma, também uma exilada como Nabokov, mimetiza a linguagem e o estilo do autor numa espécie de biografia literária, em que a ideia de felicidade é o fio condutor.
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Lila Zanganeh, que é filha de iranianos exilados em Paris |
A proposta de mimetização é claramente intencional, de tal forma que o leitor muitas vezes mal consegue distinguir se o texto é de Nabokov ou de Zanganeh, não fossem as aspas e as referências à obra em questão --Lolita, "Ada", "Fogo Pálido'.
Em muitos sentidos, esse é o grande achado da proposta única da autora --nascida em Paris de pais exilados do Irã e moradora dos Estados Unidos--, mas é também seu ponto fraco.
Nabokov, pelo que conta "O Encantador", se dizia um homem feliz --sentia-se plenamente americano e conseguiu, mesmo com uma vida tão atribulada e trágica, sentir-se em harmonia com a natureza e com a palavra.
Zanganeh articula um itinerário de 15 leituras diferentes da felicidade, sempre atribuindo papéis para o leitor cumprir. "A felicidade extravagante de um sonhador (Onde o escritor morre num livro inacabado e o leitor embarca numa busca póstuma para encontrá-lo)"; "Uma explosão de felicidade (Onde o escritor fala da única coisa verdadeira no mundo e o leitor fica um tanto falante)" são dois exemplos de uma leitura cuja ordem o leitor é livre para decidir.
LIDO E RELIDO
Não há dúvida de que se trata de uma aproximação extremamente original a um autor já lido, relido e interpretado de todas as formas possíveis.
Mas a execução da ideia --muito em função do mimetismo estilístico-- muitas vezes carrega nas tintas, criando um vocabulário excessivamente barroco.
Mas conhecer Nabokov e sua obra com um viés tão poético e uma leitura feita a partir de dentro da linguagem compensa os atropelos semânticos.
Além do mais, a forma como a autora assume a simbiose entre sua vida e a de Nabokov dá outro sentido ao procedimento mimético: "Nabokov nunca mais voltou para a Rússia, assim como meu próprio pai nunca voltará".
O exílio é uma condição incontornável, mas pode também, como com Nabokov, levar à felicidade.
NOEMI JAFFE é doutora em literatura brasileira e autora de "A Verdadeira História do Alfabeto" (Companhia das Letras).
O ENCANTADOR: NABOKOV E A FELICIDADE
AUTORA Lila Azam Zanganeh
EDITORA Alfaguara
TRADUÇÃO José Luiz Passos
QUANTO R$ 42,90 (296 págs.)
AVALIAÇÃO bom