Folha de S. Paulo


Grifes têm baixa oferta de tamanhos ditos grandes

A poucos dias de se casar, a executiva Raissa Kahn, 31, ainda não conseguiu encontrar um vestido "de grife" no tamanho 48 para selar a união no cartório.

"Já não espero encontrá-lo na rua Oscar Freire", diz sobre o endereço na zona oeste de São Paulo conhecido pelas concentração de grifes nacionais e estrangeiras. "As roupas dessas lojas são sempre pequenas. Nenhuma marca ali tem meu número."

Grifes nacionais se distanciam das medidas da silhueta brasileira média
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Acima do seu peso ideal, assim como mais da metade da população brasileira, segundo o último levantamento do Ministério da Saúde, Raissa também está acima do tamanho máximo --manequim 46-- oferecido por parte das marcas importantes do cenário da moda nacional.

Avener Prado/Folhapress
A executiva Raissa Kahn, 31, que tem dificuldade para comprar roupas GG
A executiva Raissa Kahn, 31, que tem dificuldade para comprar roupas GG

Das grifes visitadas pela Folha --Ellus, Iódice, Osklen, Reinaldo Lourenço, Alexandre Herchcovitch, Forum, Forum Tufi Duek e Gloria Coelho-- apenas uma, Gloria Coelho, disponibilizava no estoque de suas lojas uma peça de sua linha principal no padrão GG (ou 48).

"Da Ellus, por exemplo, uso alguns modelos de calças jeans, que cabem em mim. Vestido, não tem. Da Osklen, não uso mais nada desde que eles começaram a diminuir as cinturas das peças", destrincha Raissa.

E continua: "Já a Iódice é uma marca que nunca tentei vestir. É que, só pela vitrine, já consigo identificar grifes cujas roupas não me representam e sei que, se vesti-las, vou sair triste do provador".

SEM MEDIDA

Em uma das lojas da Iódice, por exemplo, um vendedor disse à reportagem para "esquecer" quando questionado se haveria em estoque um vestido de festa 46 --último manequim do tamanho G adotado no Brasil.

Outra loja da marca do estilista Valdemar Iodice, atual presidente da Associação Brasileira de Estilistas, oferecia apenas um modelo de blusa no padrão GG.

O vendedor justificou a falta: "Vestido da nova coleção [de verão 2014, desfilada na São Paulo Fashion Week] não tem. É que não ficam bem num número grande".

Em um dos endereços da Forum Tufi Duek --marca de luxo do grupo AMC Têxtil, dono de grifes como Forum e Colcci, e que carrega o nome de um dos maiores estilistas do Brasil-- havia apenas um vestido preto disponível no tamanho 44.

Em outra loja da marca, era possível encontrar dois modelos com essa mesma numeração.

"Mas a modelagem é pequena, a mulher tem que vir provar porque às vezes é difícil uma 'mais cheinha' entrar", afirmou, atencioso, o vendedor da etiqueta.

Segundo o gerente de inovação do Senai Cetiqt, Flávio Sabrá, que coordena um amplo e inédito estudo antropométrico do corpo brasileiro, as marcas se baseiam num padrão de mulher aleatório para compor a modelagem de seus tamanhos.

"A média pode ser a do corpo da dona da marca, por exemplo", brinca Sabrá. "Nas grandes grifes, as modelos de prova costumam ser mulheres altas, longilíneas e magras, que, até agora, fogem bastante do padrão identificado pelo estudo", afirma.

ANTROPOMETRIA

De acordo com a pesquisa, que terá seu resultado parcial divulgado neste semestre, mas cuja íntegra só sai em 2014, a mulher de estatura média (1,61 m de altura) representa 64,4% do total dos 6.800 corpos medidos pelo estudo. A mulher baixa (1,53 m) corresponde a 20,6% do total de pesquisados; e a alta (1,68m), 15%.

"Dentro de cada um desses percentuais estão embutidos nove corpos diferentes, com medidas de busto, quadril e cintura distintos", diz Sabrá.

Os resultados da pesquisa, que já consumiu R$ 6 milhões dos fundos do Senai, podem servir de base para a indústria de confecção criar tabelas confiáveis para a produção de roupas que atendam a seus clientes.

Com a tendência de crescimento das compras on-line, medidas confiáveis serão cada vez mais importantes para o setor. Mas, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), essa normatização de tamanhos é um tabu para marcas nacionais, mesmo sem caráter obrigatório.

Para a Abit, "alguns confeccionistas acreditam que padrões de medidas engessariam a produção. Há ainda o temor de que as médias se tornem obrigatórias, o que não deve ocorrer".

A advogada Patrícia Levy, 27, seria uma das beneficiadas com a padronização.

Consumidora voraz de marcas de luxo, seu corpo se encaixa nas medidas médias identificada pelo estudo. Mas ela tem dificuldade para encontrar peças com bom caimento no manequim 44.

"Tenho pernas e quadris largos, cintura fina e busto grande. Numa roupa de festa do Reinaldo Lourenço, por exemplo, só entro no tamanho G", explica ela.

Patrícia conta que, para conseguir peças que lhe sirvam, pede aos vendedores das lojas que lhe telefonem logo que chegam novidades às araras. "É que os números maiores sempre acabam mais rápido." (PEDRO DINIZ)

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Veja o trailer de "Fora do Figurino - As Medidas do Jeitinho Brasileiro", documentário de Paulo Pélico lançado neste ano, que trata da falta de adequação do vestuário à realidade brasileira, com modelos inspirados em padrões corporais estrangeiros.

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