Folha de S. Paulo


Análise: Ray Manzarek teve um papel duplo na fórmula musical que consagrou o Doors

Ray Manzarek foi um dos maiores baixistas da história do rock. Mesmo sem tocar esse instrumento.

Explicando. Depois que ele encontrou na praia o ex-colega de faculdade de cinema Jim Morrison (1943-1971) e os dois resolveram formar uma banda de rock, a coisa empacou na escolha do baixista. John Densmore, na bateria, e Robby Krieger, na guitarra, já tinham ingressado na empreitada, mas, cadê o cara do baixo?

Ray Manzarek, ex-tecladista e fundador do The Doors, morre aos 74

Paulo Whitaker - 29.out.2004/Reuters
O tecladista Ray Manzarek
O tecladista Ray Manzarek durante show em São Paulo

Aí eles resolveram simplesmente descartar a presença de um baixista. Aos poucos, nos ensaios, Manzarek começou a tocar linhas de sons graves, criando uma espécie de baixo "genérico" em seu teclado, algo bem difícil de executar. Ele usava um órgão Vox Continental, famoso nos anos 1960 por segurar bem devaneios psicodélicos.

Basta ouvir os discos do Doors para perceber que a figura do baixista não fez falta. O som do quarteto era singular, uma mistura de rock, blues e música de cabaré, tudo isso com alguma pegada "lisérgica".

Mas as letras viscerais e a performance magnética de Jim Morrison deixou a força instrumental do Doors em segundo plano, injustamente. Mesmo quando o grupo enfrentou problemas de convivência, os últimos álbuns ainda trouxeram peças fantásticas que influenciaram gerações roqueiras.

Manzarek era o cérebro musical da banda, e por isso sua carreira solo merecia melhor sorte.

É bom esquecer os dois fracos discos do Doors sem Morrison, "Other Voices" (1971) e "Full Circle" (1972). A maioria dos fãs da banda tratam esses álbuns como sacrílegos. Doors sem Morrison? De jeito nenhum!

Na sequência, Manzarek lançou dois discos solo bem interessantes. "The Golden Scarab" (1973) e "The Whole Thing Started with Rock and Roll Now It's Out of Control" (1974) têm momentos que unem blues ao rock progressivo, com duas participações ilustres: na guitarra, Joe Walsh, que brilhou na James Gang e no Eagles, e, nos vocais de apoio, uma novinha Patti Smith, antes de iniciar carreira liderando uma banda.

Disponível em lojas on-line como a Amazon.com, são discos que merecem releitura. Talvez não agradem tanto a fãs radicais do Doors, mas certamente serão apreciados por quem escuta Moody Blues e congêneres.

Depois, Manzarek passou a maior parte das últimas décadas se dedicando a reunir os ex-colegas de Doors para turnês caça-níqueis. Algumas passaram pelo Brasil. Krieger embarcou com ele, mas Densmore preferiu deixar o fantasma de Morrison em paz.

Morto na segunda-feira (20), aos 74 anos, Manzarek é um verbete de destaque na enciclopédia do rock.


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