Folha de S. Paulo


Autores comentam importância de George R.R. Martin na literatura fantástica

O americano George R.R. Martin é frequentemente citado como uma espécie de "divisor de águas" da literatura fantástica. A Folha pediu a admiradores do gênero que comentassem a relevância do autor. Veja abaixo.

George R.R. Martin comenta "Wild Cards", que chega ao país
Leia a íntegra da entrevista no blog "A Biblioteca de Raquel"

Raphael Draccon, autor de "Dragões de Éter" (LeYa), editor do selo Fantasy/Casa da Palavra e curador da série "Wild Cards" no Brasil
"Enquanto Tolkien tornava real a proximidade com a mais alta fantasia, Martin torna a fantasia o mais próximo da nossa realidade. Para Tolkien a fantasia dá o sentido, para Martin ela é um detalhe dentro de uma história que fala por si só. Seus personagens fazem sentido em um universo fantástico, tanto quanto fariam sentido na Europa medieval. Seu cenário não possui um protagonista, seus diálogos são mais filosóficos do que alguns livros de filosofia, e a árvore genealógica das famílias que acompanhamos os pontos de vistas é tão vasta que a princípio suas obras parecem preparadas por equipes gigantescas de escritores, não por uma mente capaz de superar sozinho todas elas."

Ana Cristina Rodrigues, historiadora e escritora, assina o conto "Anta das Virgens" na coletânea "Crônicas de Espada & Magia" (Arte & Letra), que também inclui conto de GRRM
"George R.R. Martin representa a consolidação da maturidade da literatura fantastica, que definitivamente deixa de ser sinonimo de literatura infanto-juvenil. Pode não ter sido o primeiro a tratar de temas adultos nesse gênero, mas foi o mais bem sucedido."

Braulio Tavares, roteirista e escritor, autor de "A Espinha Dorsal da Memória" (Rocco)
"Vejo a série de TV, mas uso os livros apenas para conferir as cenas que não entendi bem, ou que gostei e quero curtir melhor. A série consegue compactar bem a narrativa. Às vezes um capítulo complexo é resumido em um minuto, mantendo intactos a tensão dramática e o encaminhamento da história. Não acho que seja um divisor de águas, acho que é uma síntese de um esforço atual (de numerosos autores) de instilar realismo psicológico e político na Fantasia Heróica, que em Tolkien (p. ex.) tinha um certo maniqueísmo ingênuo, um mundo mítico, dividido entre bons e maus. Em Martin, as coisas são mais misturadas, mais realistas. É um mundo onde não importa muito ser bom ou mau, e sim ser esperto ou ingênuo. A fantasia heróica vai aos poucos se transformando em fantasia política."

Carolina Munhóz, autora de "A Fada" (Fantasy/Casa da Palavra)
"O Martin é uma inspiração para qualquer escritor focado em personagens femininas. Em uma época em que o cinema e os videogames descobriram o potencial das mulheres protagonistas, suas mulheres já dominavam há tempos tanto o jogo dos tronos, quanto a organização da família e, sem dúvidas, a cama. Não há como não admirar a personalidade, imponência e força de cada uma delas. Como uma escritora de fantasia me sinto desafiada a tentar o meu melhor para criar perfis psicológicos como ele."

Roberto Causo, escritor e editor de ficção científica, autor de "Anjo de Dor" (Devir)
"O Brasil perdeu a evolução da fantasia desde a explosão de Tolkien na década de 1960. Stephen Donaldson, Robert Jordan, Guy Gavriel Kay e outros passaram em branco. O que Martin faz é aprofundar a alta fantasia no pós-modernismo: mostra um mundo sem centro e grupos de poder buscando cinicamente seus objetivos, enquanto o apocalipse da despersonalização zumbi paira sobre a muralha. Mas, ao sacrificar o trágico para manter o leitor na incerteza, transforma pathos em patético numa escala que faz dele um Mr. M da literatura --torna difícil a outros autores realizarem seus efeitos. Por isso aposto em Robin Hobb como o melhor da fantasia hoje. Nela, os efeitos do maravilhamento e do sentimento trágico continuam vivos, iluminando a condição humana."

Affonso Solano, autor de "O Espadachim de Carvão" (Fantasy/Casa da Palavra)
"Como um Abraão da literatura fantástica, o americano de rosto simpático jamais temeu sacrificar os filhos mais queridos em prol da boa história, chocando leitores acostumados com o paradigma da justiça deus ex machina, que sempre puniu o vilão e poupou o herói. Enquanto a mãe de Harry, Ronny e Hermione chorou com cada personagem derrubado, George parece saborear cada decapitação em Westeros com a certeza de que um universo crível e cativante está sendo tecido. A popularização de seu trabalho elevou o fantástico a patamares inovadores, provando que trazer o fantástico para o real é - ao contrário do que se pensava - uma excelente estratégia."

Leonel Caldela, autor de "O Código Élfico" (Fantasy/Casa da Palavra)
"George R.R. Martin escreve sobre batalhas, intrigas, magia. Mas isso tudo é pano de fundo: ele escreve sobre pessoas. Dizer que os habitantes de Westeros têm defeitos é clichê; dizer que qualquer um deles pode morrer a qualquer momento não chega a arranhar a superfície dessa inovação. Eles têm defeitos porque são reais. Podem morrer porque estão vivos. No meio das lutas, das traições e jogos de poder, Martin nos apresenta heroísmo verdadeiro, compaixão genuína, amor incondicional. Obriga-nos a questionar o significado desses sentimentos. George R. R. Martin criou um grande problema para escritores e leitores de fantasia --agora queremos mais. E nunca queremos voltar ao que era a literatura fantástica antes."


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