Folha de S. Paulo


Novo disco de Marcelo D2 lança luz sobre limites para se alterar músicas de outros

Há dez anos, Marcelo D2, conhecido na época como líder do Planet Hemp, estabeleceu sua carreira solo com o disco "A Procura da Batida Perfeita", em que misturava rap com samba. Recentemente, o músico carioca teve de enfrentar outra procura, cujo desfecho não foi tão perfeito.

Lei brasileira proíbe modificar obra sem autorização do autor

Em seu quinto álbum solo, "Nada Pode me Parar", D2 foi obrigado a deixar de fora músicas que havia sampleado de outros discos. Como não chegou a um acordo para a liberação com os autores das canções, precisou mudar os planos do CD, que começou a ser gravado em fevereiro de 2011.

No jargão musical, o "sample" é a técnica de usar trechos de sons previamente gravados num sampler (equipamento eletrônico), alterá-los e inseri-los em uma nova gravação.

Editoria de Arte/Folhapress

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Associado à cultura do hip-hop americano desde os anos 1970, o ato de samplear tem dois caminhos: ou o artista pede liberação ao autor da música para reutilizá-la (dando crédito ao compositor) ou o faz sem autorização, prática mais comum no rap.

D2, por exemplo, optou por tentar um acordo com os sampleados para seu novo disco. Obteve êxito em alguns casos --como o tema "Abre Alas", de Ivan Lins, autor que já lhe rendera sucesso com o "sample" de "Desabafo"; e "Escravos de Jó", gravação de Dom Um Romão para composição de Milton Nascimento--, mas fracassou em outros.

Entre as negativas, o músico não recebeu autorização para usar trechos de "Mr. Tambourine Man", de Bob Dylan, em gravação vocal de Raul Seixas; de "Take Five", de Dave Brubeck; de uma música do Parliament; e de um discurso sobre o rap feito pelo apresentador Roberto Maya, no programa "Documento Especial", na TV Manchete, na década de 1980.

"É difícil fazer sample no Brasil. Fica mais fácil negociar quando o músico está vivo, é uma homenagem. Complicado é tratar com as editoras e com os herdeiros, que, em muitos casos, não entendem de música", diz D2.

Segundo o músico, em muitos casos, são cobrados valores "inviáveis" para se obter a liberação do sample.

"Os caras do Parliament pediram R$ 50 mil, quase a metade do orçamento do meu disco", completa.

Roberto Maya confirmou a negociação que envolvia sua narração e disse ter cobrado R$ 500 para liberar sua voz no disco de D2.

"Pedi a metade do meu condomínio, mas não aceitaram. Sabia que não podia cobrar muito, sei que o Brasil é uma grande quitanda, é tudo a preço de banana", disse. A reportagem não consegui ouvir D2 sobre esse valor até a conclusão desta edição.

Diferentemente de D2, muitos artistas fazem seus "samples" sem autorização prévia. No grupo estão nomes como ConeCrewDiretoria, que sampleou "I Put a Spell on You", de Nina Simone, Racionais MC's, Emicida e RZO.

Fabio Braga/Folhapress
Marcelo D2, que lança o álbum
Marcelo D2, que lança o álbum "Nada Pode Me Parar"

"Não peço autorização, editora brasileira tem a cabeça no século passado. Deveria haver uma forma de fragmentar o lucro da nova criação de maneira menos leonina", diz Emicida.

Em alguns casos, a prática é descoberta, e os músicos têm de pagar direitos autorais, como ocorreu com a ConeCrewDiretoria, que sampleou Os Originais do Samba em "Falador Passa Mal".

Depois de lançá-la, o grupo recebeu notificação extrajudicial de Jorge Ben Jor, autor da canção, fechando um acordo de repassar a ele 30% dos direitos da execução.

Para o produtor musical BiD, o "sample" é parte da cultura hip-hop de pegar a música emprestada sem dar o crédito ao compositor.


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