Folha de S. Paulo


Christie's tira obras suspeitas de leilão, e dono se diz 'chocado'

No jargão do mercado de arte, "não gostar" de uma obra é suspeitar que ela seja falsa. A Christie's, uma das maiores casas de leilão do mundo, "não gostou" de dez obras de artistas brasileiros que seriam leiloadas em Nova York no fim do mês e retirou as peças do evento, mesmo depois de publicar imagens delas em seu catálogo.

Foram retiradas por "dúvidas de autenticidade" quatro supostas telas de Ivan Serpa e obras de Mira Schendel, Amílcar de Castro, Roberto Burle Marx, Hércules Barsotti, Ubi Bava e Ione Saldanha. O caso foi revelado anteontem pelo jornal "O Globo".

Todas as peças vieram da mesma coleção. Ralph Santos Oliveira, um cientista de Niterói, afirma ter herdado as peças de sua avó e entregou as obras em consignação para a Christie's --no leilão, elas teriam lances iniciais de R$ 24 mil a até R$ 200 mil.

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Suposta obra de Ivan Serpa que seria leiloada na Christie's
Suposta obra de Ivan Serpa que seria leiloada na Christie's

Mas antes do imbróglio em Nova York, Santos Oliveira tentara encaixar as mesmas peças num leilão do escritório Dagmar Saboya, que opera no Rio e em São Paulo.

"Fomos ao apartamento dele e lá estavam essas obras", diz Fernando Saboya, um dos leiloeiros da casa, que chegou a levar as peças para análise em sua galeria no shopping Cassino Atlântico, no Rio, e depois desistiu do negócio. "Ele pode ter sido lesado no passado ou pode estar querendo lesar. Não tem como investigar muito isso."

Na opinião de especialistas, algumas fraudes são evidentes. "Não há uma suspeita, é uma condenação sumária", diz Paulo Kuczinsky, marchand que chegou a ser consultado pela Christie's sobre a peça de Ione Saldanha. "Era uma cópia grotesca."

André Millan, que representou por dez anos o espólio de Mira Schendel, também levantou suspeitas sobre a tela da artista. "Fiquei em dúvida, a composição e as cores não são daquela época."

Depois da recusa de Dagmar Saboya em vender as peças, há seis meses, Santos Oliveira fechou com a Christie's e enviou as obras a Nova York no começo deste ano.

"Houve uma suspeita, mas não tenho como saber se são falsas", disse Santos Oliveira à Folha. "Estou tão chocado quanto alguém que compra algo errado. Minha avó deve ter comprado coisa errada."

Rodrigo de Castro, filho do artista Amílcar de Castro, diz nunca ter visto a suposta tela de seu pai que seria leiloada na Christie's e já acionou seus advogados para esclarecer o caso. Ele disse também que tem outros três processos em andamento para apreender obras falsas do pai.

CRACOLÂNDIA E SIBÉRIA

"É como denunciar que fumam crack no centro de São Paulo. As falsificações existem, vêm em ondas, é algo evidente, não é novidade", diz Jones Bergamin, da Bolsa de Arte, uma das maiores casas de leilões do país. "É uma cracolândia que a gente vê todo dia no mercado de arte."

Bergamin, Kuczinsky e outros agentes do mercado disseram à Folha que recusam cerca de 500 peças por ano por suspeitas de falsificação e mantêm um arquivo fotográfico das possíveis fraudes.

"Meu arquivo se chama Sibéria, porque só tem quadro frio lá", conta Bergamin. "Quadro frio é quadro falso."


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