Folha de S. Paulo


Réplica: Encenação de Nelson Rodrigues tem o direito de reler a obra como lhe convier

Diante da crítica ao espetáculo "O Casamento", por Marcio Aquiles, publicada na "Ilustrada" do dia 16 de abril, eu, como adaptadora e diretora do projeto, venho esclarecer certos pontos.

Segundo Nelson Rodrigues, "O Casamento" "é de um moralismo transparente, taxativo e ostensivo para quem sabe ler e para quem não é analfabeto nato ou hereditário".

Nelson expõe situações grotescas e ostensivas, mas traz, paralelamente, nesta trama, humor e graça, narrando fatos improváveis em diálogos atraentes e simpáticos.

Lenise Pinheiro/Folhapress
Renato Borghi, Vera Bonilha (ambos atrás do véu), Daniel Alvim e Diana Bouth em cena da peça "O Casamento"
Renato Borghi, Vera Bonilha (ambos atrás do véu), Daniel Alvim e Diana Bouth em cena da peça "O Casamento"

Ao fim da narrativa, acima de qualquer perversão, se sobrepõe a alegria hipócrita e a hegemonia da instituição familiar.

Os personagens do romance podem ser "personalidades aflitas", mas, na chave arquetípica de Nelson, ganham forma caricatural, e atribuir-lhes "densidade dramática e grotesca", conforme o desejo do crítico, é tomar o caminho mais árduo, já que Nelson é um piadista nato e faz um retrato exagerado das figuras com quem conviveu em seu cotidiano carioca.

Um padre que afirma "mijar lindo como os jumentos" ou um empresário que diz que "o ginecologista deveria andar de sandálias e coroinha na cabeça" não são, obrigatoriamente, personagens moralmente sujos ou passíveis de aprofundamento psicológico.

Uma das maiores virtudes da Bendita Trupe e do Teatro Promíscuo é atrair o público por abordar temas sérios sem o peso da seriedade.
complexidade cênica

Causar o riso na plateia de um preconceito ou de um abuso sexual é algo cenicamente complexo; e um conjunto de atores hábeis em cenas cômicas não se trata apenas de "pastelão" ou "comédia escrachada".

As cenas da peça transitam sim entre o farsesco, o melodramático, a revista e a chanchada --todos gêneros ligados ao cômico-- porque foi esta a proposta da encenação. Não é a toa que o subtítulo da peça é "Uma Comédia Erótica do Romance Proibido de Nelson Rodrigues".

O crítico pode até acreditar que a chave semântica do livro seja a sujeira e a escatologia, mas isso não faz do nosso trabalho uma "montagem asséptica que ofusca os paroxismos do autor".
A encenação tem o direito de reler a obra que encena como melhor lhe convier, e dar uma leitura própria a um livro ou a uma peça não é considerado errado ou criminoso.

Infelizmente, há aqueles que acreditam que Nelson Rodrigues só pode ter uma única e pesada leitura. Nós preferimos seduzir a plateia pela comédia a ouvir as palavras preciosas do autor.

JOHANA ALBUQUERQUE é idealizadora de "O Casamento", em cartaz no Tuca


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