Folha de S. Paulo


Crítica: Atuação virtuosa dá força a ótimo monólogo "Cine Monstro Versão 1.0"

O múltiplo no uno. "Cine Monstro Versão 1.0", pesquisa dirigida e interpretada por Enrique Diaz a partir de peça do canadense Daniel MacIvor, expande a modalidade do monólogo a uma estatura dramática rara.

O encenador e único ator em cena desdobra-se em vários personagens, potencializando uma narrativa transcorrida em diálogos, que seria menos interessante se apresentada com mais atores.

A estratégia é definida por MacIvor no próprio texto original, "Monster", de 1998, que dá continuidade a solos escritos por ele no início da carreira, e os torna mais dialógicos.

Lenise Pinheiro/Folhapress
Enrique Diaz, ator e encenador de
Enrique Diaz, ator e encenador de "Cine Monstro Versão 1.0"

Peças posteriores também encenadas por Diaz --"In on It", de 2000, e "A Primeira Vista", de 2006-- já demandaram, necessariamente, dois atuantes.

A trama tecida pelo dramaturgo cruza diversas referências e histórias, a princípio díspares, que se encaixam num mesmo caso escabroso, para onde todos os fios narrativos convergem.

O que é próprio da encenação, ainda que ela respeite o desenvolvimento proposto pelo autor, é a ampliação do jogo para além dos personagens envolvidos.

SERES POTENCIAIS

Graças ao desempenho do atuante, e dos recursos cênicos que nele e com ele se engendram, abarca-se também os seres potenciais que habitam em cada espectador.

Isto acontece quando o discurso escapa do contorno ficcional das vozes narradoras, que descrevem, de perspectivas distintas, o monstruoso assassinato de um pai, metodicamente retalhado a serrote pelo filho.

A direção de Diaz, e de seu colaborador Marcio Abreu, propõe sutis variações no corpo e na voz do ator, bem como nas imagens e cores acionadas ao seu entorno.

Estas ênfases sugerem experiências compartilháveis por qualquer pessoa nas mesmas circunstâncias, e tornam um caso isolado de violência irracional em fato prenhe de universalidade.

Amplia-se, afinal, a noção de humano, pois, deslocadas de uma estranheza monstruosa, as terríveis ações perpetradas, descritas como o são, confundem-se com capacidades latentes nos próprios espectadores.

A interpretação de Diaz é virtuosa. Flutua entre vários registros, como um feixe de nervos que se deixa contaminar por múltiplos estímulos sem se fixar em nenhum.

Sua contribuição engrandece o drama de MacIvor e, mesmo admitindo-se que seja uma obra ainda em processo de criação, já se credencia a despontar como uma realização excepcional.

CINE MONSTRO VERSÃO 1.0
QUANDO hoje, às 20h, e amanhã, às 19h
ONDE Itaú Cultural (av. Paulista, 149, tel. 0/xx/11/2168-1776)
QUANTO grátis (ingressos serão distribuídos meia hora antes do início do espetáculo)
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
AVALIAÇÃO ótimo


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