Folha de S. Paulo


Filme de Silvio Tendler relembra golpe que derrubou João Goulart há 50 anos

Quando o filme "Jango" estreou, em 1984, foi um sucesso. A ditadura militar estava se esvaindo, e a campanha pelas Diretas-Já ganhava as ruas. As salas de cinema se encheram e a música da fita --"Coração de Estudante", de Milton Nascimento-- virou a trilha sonora do momento.

Financiada pelos Estados Unidos, propaganda exortou ações anti-Jango
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Passados quase 30 anos, o documentário de Silvio Tendler é destaque na retrospectiva que o 18º festival É Tudo Verdade mostra a partir desta semana e que inicia as discussões sobre os 50 anos do golpe que derrubou João Goulart (1919-1976) em 1964.

Herdeiro político de Getúlio Vargas, Jango morreu em circunstâncias não esclarecidas, que serão investigadas pela Comissão da Verdade.

Caliban/Divulgação
Jango, em cartaz do documentário
Jango, em cartaz do documentário

Há indícios de que ele tenha sido assassinado pela Operação Condor (ação conjunta das ditaduras da América do Sul), e a exumação de seus restos mortais, autorizada pela família, pode ser feita.

"Jango era o homem das reformas sociais, ele dividia, tinha um estigma forte", afirma Tendler, ao lembrar hoje os dilemas para a produção do filme, iniciada em 1981.

No ano anterior, ele tinha lançado "Os Anos JK", sobre Juscelino Kubitschek, e conhecido as pressões de militares sofridas pelo seu produtor, o empresário do setor naval Hélio Ferraz.

"JK era mais unanimidade, pegava bem na classe média, nos industriais. Se eu tinha tido dificuldades com JK, imagina com Jango?", diz o diretor. Mas o dinheiro apareceu. A primeira cota veio de Denize Goulart, filha de Jango. Ela fez interferências no filme? "Nenhuma", declara.

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A segunda cota foi de um doador que pediu anonimato, mas que Tendler agora revela à Folha. Trata-se de Antônio Balbino (1912-1992), que foi governador da Bahia e ministro nos governos Vargas e Goulart.

"Ele era um advogado muito rico. Quando assinou o cheque, me disse: 'Estou dando esse dinheiro em homenagem ao doutor Getúlio'", conta o cineasta.

Para fechar as contas, entraram o empresário Ferraz e os artistas e técnicos envolvidos no trabalho. Em valores de hoje, Tendler calcula que a fita tenha custado cerca de R$ 200 mil.

"Ninguém fez o filme para ganhar dinheiro. Ele nasceu da paixão", diz. Mas "Jango" acabou dando "muito dinheiro, se pagou em um mês ou dois. Estávamos com 17 cópias pelo país inteiro. Era o filme das Diretas", recorda.

Leia trechos da entrevista de Silvio Tendler à Folha abaixo:

*

Folha - Como foi a produção de "Jango"?
Silvio Tendler - Acabei de descobrir que o documentarista não faz filmes: ele faz um único filme ao longo da vida. Quando ele termina descobre que fez um filme só. Cada filme é continuação do outro. É diferente do ficcionista que faz um musical hoje, um suspense amanhã. Ele vai falando de coisas porque pertence à industria do entretenimento. É ela que produz a bola da vez: hoje o que vende é isso, então vamos fazer. Tenho um compromisso ideológico e cultural com o que eu faço. Os meus filmes todos têm uma sequência, ainda que não se pareçam entre si. Meu filme de estreia no Brasil, nos anos 80, foi "Os anos JK", ainda na ditadura militar, em pleno AI-5. O produtor do filme foi ameaçado, no sentido de parar a produção.

Ameaçado por quem?
Helio Paulo Ferraz era um industrial naval que era produtor do filme, um amigo meu de juventude, filho de um grande armador, o Paulo Ferraz. Eles tinham muito dinheiro e, por uma tradição de família, colocavam dinheiro na cultura. O irmão dele, o Buza Ferraz, resolve abrir produtora de cinema, mas se desinteressa um pouco. O Hélio tem que botar a produtora para funcionar. Eu volto para o Brasil, o procuro e topo fazer cinema documentário.

JK tinha morrido em agosto de 1976 e tinha sido uma comoção. Terminamos "JK" em 1980. Coincidiu com a redemocratização. Em 1977, estive com Sara Kubitschek e ela me disse: 'Vocês são pessoas de muita coragem'. Ela queria comprar um terreno para o memorial e no governo Geisel era assim: para a família JK nada. Em 1981, o [João Baptista] Figueiredo inaugurou o memorial JK. A história muda rápido. Mas eu fiz o "JK" fiz nesse clima de censura.

Como foram essas pressões?
Paulo Ferraz --que termina se suicidando por conta das pressões de governo que ele vai sofrer depois-- era um cara que apoiava o [Mario] Andreazza, era ligado a um grupo de militares também. Imagina quantos almirantes não havia na Companhia de Comércio e Navegação, no estaleiro Mauá. Os caras pressionaram ele. Um dia o Hélio Ferraz chamou a gente muito preocupado e disse: 'Estamos sofrendo uma pressão muito grande para parar o filme'. Eu estava trabalhando com o irmão do Hélio, o Antônio Paulo, que era um cara de esquerda. O Antonio Paulo falou com o irmão: 'Nós não vamos parar o filme. E o Hélio bancou, sabendo que era uma aventura temerária. Ele poderia sofrer represálias econômicas, não acredito que políticas. Ele foi o único patrocinador. Na época pedi financiamento à Embrafilme _não a fundo perdido, como outros cineastas ganhavam. O Hélio dava garantias reais, mas a Embrafilme nunca respondeu. Aí começou aquela discussão sobre a Embrafilme ser porno-chic e ela pegou a distribuição do filme e fez do filme o seu cartão de visita.

E como "Jango" começou?
Li no jornal uma notinha de três linhas dizendo que o Raul Riff, que tinha sido secretário de imprensa do Jango, estava com umas cópias de filmes de vistas do Jango a China e a URSS. Telefonei para ele --eu não o conhecia-- e pedi para vê-las. Ele montou uma sessão para mim numa sala de cinema em Laranjeiras que pertencia ao Jean Manzon [cineasta que fez filmes para a oposição a Jango e, depois, para a ditadura militar]. Ele me convidou para jantar e atacou de bate pronto: 'Por que não fazes um filme sobre o Jango?'

Eu disse: 'Adoraria, mas Jango não é JK'. Sabia que seria muito mais difícil, pois Jango tinha um estigma muito mais forte. O JK era mais unanimidade, pegava bem na classe média, entre industriais, era um desenvolvimentista. O Jango era o homem das reformas sociais, ele dividia. A esquerda era dividida em relação a ele, era mais difícil. 'Se eu tive dificuldades com JK, imagina com o Jango!' eu disse. Riff falou: 'Eu te ajudo, arrumo dinheiro'. Ele falou com a família Goulart, que disse que compraria cotas. No final, a Denize Goulart entrou com uma cota, que foi com o que a gente pode deslanchar o filme.

Houve interferência da família, já que ela era patrocinadora?
Nenhuma. Muito me orgulho. O único filme --que na verdade não é produção minha, é do Roberto Dávila-- onde teve diálogos com a família foi o "Tancredo". Eu perguntei para a Denize: 'O que eu posso falar e o que não posso?' Havia, por exemplo, arestas com o [Leonel] Brizola. 'Como eu trato o Brizola?', perguntei. Ela falou: 'Como você achar que deve ser tratado, a responsabilidade é sua. Quero fazer uma homenagem a meu pai. O conteúdo do filme é teu. Não tive nenhum problema com a família Goulart. Não me disseram que eu não poderia entrevistar tal pessoa, não poderia falar de tal coisa. Nem me recomendaram chapas-brancas para entrevistar. Comecei a fazer o filme em 1981 e tinha eleição em 1982. Começaram as pressões para ouvir tal pessoa, porque achavam que o filme ia ficar pronto em 1982 e poderia ser um bom trampolim.

Quem, por exemplo?
Muitos candidatos. Todo mundo que queria ser candidato queria aparecer no filme. É assim em todo trabalho. Fui muito cauteloso. Um documentário desses precisa de dois anos e meio. Eu comecei no fim de 1981 e sabia que ele jamais ficaria pronto em 1982. Mas as pessoas esperavam para a campanha de 1982. Não ficou pronto. E começou todo um bate boca para saber se eu não tinha acabado o filme para 82 para beneficiar ou para prejudicar o Brizola, que era candidato a governador [e venceu]. Eu dizia: 'Não fiz nem para prejudicar nem para beneficiar. Faço um filme histórico que vai ficar pronto, quando ficar'.

O filme acabou ficando pronto em 1984, coincidindo com os 20 anos do golpe e a campanha das Diretas-Já.

O que aconteceu no Festival de Gramado daquele ano?
Mudaram a data do Festival de Gramado, que iria coincidir com os 20 anos do golpe. O filme "Jango" era a grande estrela. Então adiaram a data.

Quem?
A Embrafilme e o diretor do festival. Mudou porque a grande estrela do festival era o "Jango". Pouco tempo depois, não fez nenhum efeito, porque depois veio as Diretas-Já e foi muito mais importante. O tiro saiu pela culatra. Armaram todo um esquema para eu não ganhar o festival ["Jango" ganhou prêmio especial do júri e o de melhor filme pelo júri popular em 1984].

Quem armou?
Acho que mais a Embrafilme, presidida pelo Roberto Parreira, que era o homem de confiança do [Ernesto] Geisel. Ele era um militar da reserva que circulava nessa área cultural, foi presidente da Funarte. Dizem que tinha ligações fortes com a Amália Luci [filha de Geisel]. Tinha um 'garganta profunda' que trabalhava na direção da Embrafilme e ele todo o dia me encontrava em Gramado e me dava dicas: 'Estão apostando em tal filme, no debate responde isso, se te perguntarem, responde não sei o quê'. Tentaram me chumbar no debate por conta da ausência do Darcy Ribeiro entre os entrevistados. Como se fosse uma falha imperdoável do filme. O Darcy não quis dar entrevista.

Como foi isso?
Duas pessoas foram muito paparicadas para fazerem parte desse filme e não quiseram dar entrevista: Darcy Ribeiro e Miguel Arraes. O Darcy tinha uma birra comigo porque eu o entrevistei para o JK. No final, ficamos amigos, eu adoro o Darcy e tenho vontade de fazer alguma coisa sobre ele. Eu o entrevistei para o JK e ele falou duas bobagenzinhas: que o importante não era o JK, porque ele era muito mais janguista, e que a importância de JK era ter escolhido o Niemeyer para fazer Brasília. Disse: "Imagina Brasília feita pelo Dutra, com aquele mau gosto que fez o Ministério do Trabalho, da Guerra. Fui para casa dizendo que o Darcy estava errado. Quem fez esses ministérios foi o Getúlio. Mostrei o filme para uma pessoa que fez dois favores: um, dizer que efetivamente tinha sido o Getúlio, e outro de telefonar para o Darcy para dizer que eu estava sacaneando ele, que eu ia botar [no filme] e iria desmoralizá-lo. O me Darcy ligou dizendo para eu queimar o material, como se eu pudesse usá-lo contra ele. Eu disse: 'Darcy, não tenho nenhum interesse em te sacanear, não usamos essa parte, fazemos uma outra entrevista. Sua presença é muito importante, você fundou a Universidade de Brasília. Ele respondeu: 'Silvio, esquece isso, não faço nenhuma falta nesse filme'. O filme fez 800 mil espectadores. Ele se sentiu censurado. Aí, quando fui fazer o "Jango", não dava para fazer o Jango sem o Darcy: ministro da educação, chefe de gabinete, chefe da casa civil. Telefonamos para o Darcy e ele estava com as magoas do "JK". Ele disse: "Não sou importante nesse filme", resolveu dar o troco. Começou a enrolar e não quis dar entrevista, magoado pelo "JK". Depois o "Jango" foi um estouro.

De quanto foi o estouro? Quantos assistiram?
Eu sempre soube que foram 1 milhão. A Ancine colocou no site que foi menos do que isso, 500 mil. De qualquer maneira, é a maior bilheteria do cinema político brasileiro. Como a Ancine vem me garfando ultimamente, eu não sei qual é o interesse deles.

E o Miguel Arraes? Por que não está no filme?
O Arraes foi o cara mais paparicado. Fui três vezes a Pernambuco me encontrar com ele. Mandei para ele o "JK", para ele ver o tipo de trabalho que faço e ele não quis falar. Foi a pessoa mais procurada pra dar entrevista nesse filme. Roberto Dávila mandava recados, falava. Na minha cabeça faço uma mera especulação sobre a negativa. Ele não se enquadrava muito com o Jango. Não queria de maneira alguma expor sua opinião, nem a favor nem contra. Ele precisava deixar portas políticas abertas, não podia romper com ninguém. Não podia falar mal, mas não podia endossar. Tinha as diferenças dele com o Brizola, que botou o [Francisco] Julião para ser candidato contra ele, queimou a vida do Julião. O Arraes não quis falar de maneira alguma.

Além do general Antônio Carlos Muricy, o sr. buscou o depoimento de outros militares?
Não, porque cheguei rápido no Muricy, que era o homem operacional do [Humberto] Castello Branco. Foi um 'namoro' com Muricy estilo Arraes, mas com final feliz. Sou professor da PUC desde 78 e fui professor dos filhos do Muricy: da Maria, que trabalha com som, e do Toninho. A Maria me levou para conhecer o pai. Eles moravam em Copacabana. Passei o "JK" pra ele ver o tipo de trabalho que eu fazia. Ele disse: 'Eu não vou lhe dar entrevista, o senhor é comunista'. Eu disse: 'Vocês reclamam que nunca ouvem a versão de vocês da história, mas quando se oferecesse espaço, vocês não querem falar. O que posso prometer é que eu não vou interferir em nada do que o senhor falar. Não vou editar, interromper, não vou fazer nada que desconstrua o seu pensamento'. Tenho esse respeito pelos entrevistados. Você nunca vai ver uma entrevista minha em que eu faça gracinha com o entrevistado, coloque no ar coisas que ele não sabia que estavam sendo gravadas. Acho que na hora que ele me concede uma entrevista, tenho que tratar com o mesmo respeito que ele me trata como cineasta. Estava nesse namoro com ele. Ele me tratava bem e mal. Bem porque eu era professor da filha, e mal porque eu era comunista. Depois de muita negociação, ele topou. Tivemos uma relação pessoa boa. Vários domingos fui na casa do general Muricy. Na eleição de 1982, do Brizola, eu estava na casa dele e apareceu um americano. Ele tinha vindo assuntar o que estava acontecendo no Brasil.

O que foi mais difícil na realização do filme?
Ainda se estava numa época em que trabalhar com arquivos era um coisa muito complicada. Eu já não vivia mais o pavor que se viveu no "JK", que era o medo das pessoas se comprometerem. No "JK", eu fui ouvir um ex-presidente da UNE que, na pesquisa, tinha um discurso absolutamente libertário, de oposição ao JK. Acho que um filme não deve ser chapa-branca. Se você quer fazer uma homenagem, tem que fazer uma homenagem crítica. Não é só tecer loas. Você não pode encobrir os defeitos do cara: tem que falar dos buracos, dos erros, dos equívocos, dos lapsos. Queria arranjar gente para ter uma visão crítica do JK. O ex-presidente da UNE era o João Batista Pimentel, que era então professor da Cândido Mendes. Quando cheguei para ouvi-lo, ele disse que não ia dar entrevista porque soube que eu era é comunista e não queria ser manipulado pelos comunistas. Eu nunca fui de partido, nunca fui comunista.

E no caso do "Jango"?
No "Jango" não tinha muita gente que topasse falar coisas contra, O único que topou realmente se expor e foi corajoso foi o Muricy. Ele colocou o ponto de vista militar em relação ao que foi o varguismo e o janguismo. E o que era um pouco a doutrina de segurança nacional que vinha da ESG [Escola Superior de Guerra].

O que falhou?
Não ouvi o Waldir Pires, nem o procurei. Foi um equívoco. Sabia da existência do Doutel de Andrade, e não o procurei. Tenho lacunas nesse filme.

E o Almino Afonso?
Eu o tinha procurado para o "JK" e ele me deu um depoimento muito longo, muito retórico, que eu não usei. Aí fiquei sem jeito de procurá-lo para o Jango. Eu me reabilitei disso ouvindo todos eles no "Tancredo". Se você passar a trilogia ["JK", "Jango" e "Tancredo"], você entende. As principais lacunas do "Jango" são: Arrais, que é involuntária, Darcy, por uma situação meio desastrada, o Waldir Pires. Mas tive gente muito boa. Não vamos julgar o filme pelo que ele não tem, mas pelo que ele tem.

E qual foi uma surpresa do filme?
Afonso Arinos conta a historia engraçada do brinde no Itamaraty. O filme do ponto de vista das entrevistas está bem equilibrado. Abri uma exceção e coloquei a socióloga Maria Victoria Benevides para falar da UDN. Esse filme foi muito pesquisado, busquei muito material.

Voltando à questão do patrocínio, como ficou?
Uma cota foi a Denize. Entrou um amigo oculto que eu vou revelar pela primeira vez. Marcelo Alencar conseguiu que um ex-ministro do Getúlio pusesse uma grana boa. Ele assinou o cheque na minha frente. "Jango", a dinheiro de hoje, teria custado R$ 200 mil. Foi muito barato. Hoje está tudo mais caro. As leis de incentivo só serviram para encarecer o cinema. Cada cota foi em torno de R$ 40 mil. O sócio oculto é o doutor Antônio Balbino (1912-1992), que foi governador da Bahia, ministro do Getúlio e do Jango. Ele era advogado muito rico, de grandes causas. Disse para mim: 'Estou dando esse dinherio em homenagem ao doutor Getúlio'. Ele pediu para o nome dele não se rrevleado. Mas isso foi há 30 anos, já é história. Ele tinha uma visão crítica do Jango e das cercanias. Quando a gente foi pegar a grana, Riff estava junto e Balbino falou:

'Lembra Riff de uma noite em que agente estava no Planalto e chegou o Brizola? Ele apontou para o Congresso e disse: Jango, tu só consegues governar esse país se tu fechares isso daí.' Jango, para ganhar tempo, perguntou a opinião dos presentes. O general Osvino Ferreira disse que tecnicamente não era muito dificil. Era coloca uns tanques na frente. Mas era preciso que o presidente pensasse se era conveniente. Deu a dica: não faz essa bobagem. Balbino disse que a medida tecnicamente era possível, mas para fechar o Congreso, teria que ter que ter um ditador e emendou: 'O senhor não tem nem physique du role para isso'. Morreu o assunto aí. Ninguém nunca desmentiu. Balbino contou essa historia. O Jango não era uma paixão dele.

Quem mais entrou no financiamento de "Jango"?
Balbino deu a segunda cota. Acho que era 25%. Hélio Ferraz entrou na reta final com uma cota. E os artistas e técnicos entramos com nosso trabalho: Milton Nascimento, José Wilker. Wagner Tiso pegou uma graninha e ficou com uma cota; Mauricio Dias tambem, eu, o caro do estúdio. O fotógrafo botou uma grana para fazer a ampliação. E o filme nasceu assim, da paixão. Niguém fez o filme para ganhar dinheiro.

Mas o filme deu dinheiro?
Muito, na época. Se pagou em um mês ou dois. Estávamos com 17 cópias do filme em cinemas no Brasil inteiro. Era o filme das Diretas. No dia do estado de emergência [votação da emenda], em Brasília as pessoas iam ao cinema. Diziam: 'Hoje eu vou ao cinema ver o 'Jango' para manifestar meu apoio à diretas'.O filme se pagou e deu muita grana.

O sr. pode pode esclarecer a questão da censura?
Inscrevi o filme para o Festival de Gramado e era necessário passar por uma censura prévia só para o festival. Passamos o filme para os censures e eles disseram que não tinham condições de avaliá-lo, precisava ir para Brasília. "Jango" empacou na censura. Depois da sessão de avaliação, meu assistente que tinha um carro e morava na Tijuca viu a censora sair e perguntou se ela queria carona. Queria, para a Tijuca. Ela disse: 'Vou dar um conselho para vocês: botem a boca no trombone, senão esse filme não vai ser liberdo nunquinha'. Então fizemos uma sessão a portas fechadas --trancadas mesmo-- para os jornalistas. A imprensa comprou a briga do filme. Todos deram matéria. O filme chegou em Brasilia liberado. E veja só. Quando fomos a Brasília liberar o filme, o comandante do jatinho do Hélio Ferraz era filho do general [Henrique] Lott, o comandante Lott. E o sub comandante era o Lauro Guerra, que tinha sido o piloto que servia a família Goulart. Lott contou que no 2 ou 3 de abril, quando levou Jango para São Borja, ele disse que iria ficar no Brasil até que ficasse consignado o golpe de Estado. E que iria sair com os seus próprios meios. Jango ficou em São Borja esperado o golpe de Estado. Quero usar no meu filme sobre militares pela democracia. Só descobri isso com o filme "Jango" pronto. Jango saiu numa avioneta para o Uruguai. Queria evitar derramamento de sangue. Ele iria ser preso se ficasse no Brasil.

Como é esse filme sobre militares pela democracia?
Estou fazendo uma trilogia para discutior o pós-1964, a resistência. O primeiro é sobre os advogados contra a ditadura. Advogados que, independentemente de suas posições politícas, se organizaram para defender presos politicos no Brasil inteiro. Tenho ouvido muitos advogados e tem sido uma bela viagem para conhecer o Brasil da resistência.

É só sobre 1964?
Não trato só dos que resistiram em 64. Começo o filme no final de Jango. Alguns militares fazem um retrospecto da formação do pensamento militar.

E o terceiro filme?
"Há Muitas Noites na Noite", sobre o exílio, sobre o Poema Sujo de Ferreira Gullar. Ele entra no PC, vai para o comitê estadual, cai, vive um ano na clandestinidade, vai para Moscou, Chile, Peru. Chega na Argentina no dia da morte do Peron, em 1975. A barra começa a pesar, ele pensa que vai morrer, se refugia na memória e escreve o Poema Sujo. Quero pegar a arte e a cultura no pós-1964. O filme começa no dia 2 de abril. Estou fazendo tudo isso paralelamente. Segundo meus assistentes, sou fordista. Prazo? Pergunte a deus.

E o patrocínio para esses projetos?
Para o dos advogados, da Vale, do Ministério da Justiça, em parceria com a TV Brasil. Serão cinco programas e um longa metragem. Para o dos militares, Ministério da Justiça e TV Brasil: cinco programas e um longa. Eu trabalho barato. Um filme meu custa R$ 1 milhão. Quero fazer cinema, não quero ficar rico. Vivo muito bem, dou aulas palestras. Meu pai era incorporador. Seu eu quisesse ter ficado rico, teria quebrado o Rio e hoje era um cara muito rico. Prefiro mil vezes construir, fazer filmes do que ficar rico. Esse negócio que o Milton Santos falava do dinheiro em estado puro não me interessa. Gosto dos trabalhos que faço. Têm sido uma terapia ocupacional para mim. Da tetraplegia eu só saí graças a essa vontade de viver, de fazer coisas. Fiz "Caçadores da Alma" para a TV Brasil. Estou fazendo militares, e advogados. No meio disso ganhei um edital para fazer "O Brasil na Terra no Micha", sobre a Olimpíada de Moscou.

Como o sr. qualifica os seus filmes?
Quando fiz "Jango", Villas Boas Correa escreveu: 'parcial e imperdível'. Sergio Augusto falou: imparcial só a câmera desligada. Ligou a câmaera, não é mais imparcial. A imparcialidade é uma mentira. Sou descente cinematografico de um cineasta holandês que diz que o cinema que ele faz é um ponto de vista documentado. A única coisa que não tenho direito num filme é de mentir. Não tenho direito de adulterar uma realidade para comprovar uma tese. Tenho direito de emitir opinião. Quando coloquei o Muricy, não tomei partido dele, apenas deixei ele falar. É um depoimento muito importante. Ele me ligou no dia seguinte do lançamento do filme e me disse: 'Seu filme, é muito bom, é equivocado. Você é muito inteligente, pena que seja comunista'. Eu falei: 'Admiro muito o senhor, pena que o senhor seja um conservador'. Eu não sou imparcial. Se eu tivesse a infelicidade de ter que ouvir o Jair Bolsonaro, eu o respeitaria. Prefiro não ouvi-lo em nenhum sentido.

Como o sr. analisa essa homenagem ao "Jango", trinta anos depos e quase após 50 anos do golpe?
O historiador Arnold Toybee diz que o mundo evolui em espiral. Fui muito respeitado nos anos 1980. Os anos 1990 foram anos de crises, de angustia terríveis, o fim do socialismo real. Não que eu concordasse com aquilo, nunca fui a favor da burocracia soviética. Mas o pensamento único que veio nos anos 1990 massacrou as possibilidaes que se tinha de ter um mundo melhor. A tal da globalização só veio para o capital e para as mercadorias. Os humanos continuam sem liberdade de circulação. Foram anos de muito sofrimento, isolamento, difíceis. Os 2000 comecei levando porrada dos meus alunos, que começaram a questionar muito o fazer o cinema. Diziam que a temática política estava fora de moda. Nada como o tempo e a paciência. Agora sou resgatado. As pessoas voltaram a respeitar o cinema que faço. Mantive uma coerência na minha produção, não esmoreci, não mudei de ideia para agradar, continuei faaendo filmes politicos. Fiz "Milton Santos", "Utopia e Barbarie", "Marighela", "Castro Alves", não baixei a guarda. Hoje as pessoas estão reconhecendo essa coerência. Fiz "O Veneno Está na Mesa" para colocar na internet e distribuir de graça e está funcionando. Tenho conseguido me expressar e recuperar o meu reconhecimento. É Tudo Verdade vai homenagar o "Jango", tem outro filme sobre "Coração de Estudante", música que foi feita para o filme. Estou sendo resgatado. Sendo homenageado no festival de Anápolis, de Recife, recebo a medalha Chico Mendes, título de cidadão de Niteroi.

Qual o signficado disso tudo agora?
Eu sou tão brigão nos filmes quanto na vida. Nunca baixei a guarda no tipo de cinema que eu faço, e na vida também. Estou com uma briga fabulosa com a Ancine [Agência Nacional de Cinema] porque a Ancine virou uma burocracia para moer cineastas.

O sr. está contra a direção de Manoel Rangel?
Não é contra o Manoel Rangel. Estou contra o funcionamento da Ancine. Estou contra esse terceiro mandato. Esse terceiro mandato é um casuísmo horroroso. Minha geração, que brigou contra os senadores biônicos, está tendo que conviver com o terceiro mandato bionico; sou contra.

Está havendo na Ancine a mesma coisa que está havendo no Congresso, com o presidente da comissão de Direitos Humanos ser um homofóbico. O Manoel Rangel representa hoje a política do cinemão. Esses dias o Eduardo Suplicy me ligou dizendo que estava vendo "Utopia e Barbarie" numa laje. Esse público não contabiliza para a Ancine. O público fora de cinema não contabiliza para a ancine. Meus filmes nunca deixaram de ser sucesso. Só que hoje o cinema foi sequestrado pelas 'majors' e pelo cinemão. O cinema está em 9% do território nacional. No interior não tem uma sala de cinema, de teatro, não tem nada para se divertir. Diversão no interior do Brasil é fumar crack e ver televisão. Depois se discute porque tem tanto cracudo no Brasil. Não se oferece nada ao povo. Não se oferece cultura, teatro, grupo folclórico, cinema, nada. A única coisa barata que o cara tem para fazer é fumar crack. Eaí a gente reclama, fica culpando os caras. Olha aquelas pessoas e ocupa elas: bota TV, filmes, animadores culturais. A vida vai ser outra. A Ancine não considera público fora de sala de cinema. E as salas estão em 9% do território brasileiro. E, das salas que existem, 99% estão dentro de shopping. Você não vai num shopping comprar um tênis de marca, comer num fast food e ver um filme político. Shopping não é um espaço para o cinema político. O espaço para o cinema político é o cineclube, a laje, a sala de aula, o debate, nas comunidades, nas universiddese. E esse público não é contabilizado. Hoje não falta tecnologia para contabilizar o público fora da sala de cinema. Não precisa contabilizar o ingresso padronizado para saber se assistiram o filme. Se pode fazer uma foto das pesssoas assitindo na laje e mandar para a ancine. Esse filme fez bem mais público do que dizem que a gente faz. Interessa a esse esquema desse cinemão dizer que nós fracassamos e que as pessoas não querem assisitir a esse tipo de filme. É mentira. As pessoas não querem assitir em shopping. Porque shopping não é lugar para asisitir para esse tipo de filme. Sou contra essa política predatoria da Ancine. Essa política de só contabilizar público em sala de cinema é criminosa, contra o cinema. Ela penaliza as pessoas que querem fazer outro tipo de cinema além do entretenimento.

Gabi Nehring/Divulgação
O diretor Silvio Tendler
O diretor Silvio Tendler

A política é a do cinemão?
Continuo trabalhando. Não preciso de licença do Manoel Rangel para criar. Ele vai ficar me criando empecilhos para produzir. Ele fez tudo, por exemplo, para que o Poema Sujo não acontecesse. Eu não digo ele, mas a Ancine. Entrei num edital da Ancine para fazer o Poema Sujo. O parecerista da Ancine é um cidadão anônimo. Os pareceristas da Ancine não assinam o seus pareceres. É como ser julgado por um juiz encapuzado. Eles falam coisas do tipo: Poema Sujo é, no máximo, para passar em TV a cabo fechada, não é coisa para cinema. É um preconceito contra o povo, de achar que o povo não gosta de poesia. Aí fui barrado, não ganhei Poema Sujo.

Qual é a lógica da Ancine?
A lógica é o mercadão e o acaparamento do poder. Será que não tem mais ninguém competente no país que possa gerir a Ancine?

Não entendo qual o interesse da ministra Marta Suplicy em mantê-lo. Não sei se é um acordo político partidário, ou se ela só vê talento e competência nele para administrar o cinema brasileiro. Eles estão peitando uma coisa que é uma exceção.

O que o sr. acha da ministra Marta?
Tinha muita simpatia por ela. Quando lancei "Jango" e comecei a esbarrar na censura, recebi um telefonema do [então] deputado Eduardo Suplicy, dizendo que iria interpelar o ministro. Marta era da TV Mulher [programa da Globo] e recomendou o filme na TV. Sempre tive gratidão, respeito e admiração pelas coisas que ela faz. Mas essa recondução do Manoel Rangel eu não entendo. Acho que estamos inventando uma agência biônica, porque nunca tinha acontecido isso. Numa agência reguladora, até onde eu sei, não pode um terceiro mandato.

Por que o sr. comparou com a situação do Feliciano? Não entendi.
Porque é horrivel. Estamos vivendo um momento horrível. Mas não perco a fé e a esperança, pois elas são os alimentos das revoluções e insurreições. Continuo acreditando que vai mudar. Mas tem tudo a ver com o controle político exercido hoje no Brasil. É o Marco Feliciano nos direitos humanos, o Blairo Maggi no meio ambiente. Ele [Maggi] é um dos maiores latifundiários desse pais. É o rei do latifundio, que hoje chamam de agronegócio. Kátia Abreu é aliada do governo. É surrealista a diferença de dinheiro que vai para a agricultura e o que vai para o desenvolvimento agrário. Setenta por cento dos alimentos que são consumidos vêm do pequeno produtor. Por que se beneficia tanto o latifúndio num país que deveria ter um projeto progressista de desenvolvimento?

O sr. está decepcionado com o PT?
Muito decepcionado. Só não estou mais porque não sou petista. A política cultural que havia no governo do Jango não existe hoje. Comparando um momento com o outro. Naquela época se tinha as reformas sociais, reformas de base, agrária. Jango ousou afrontar a questãoo da reforma urbana. Hoje aqui no Rio está se botando pobre para fora de casa a toque de caixa para entregar os terrenos para os ricos. É uma vergonha. No governo do Jango era o contrário: era ocupar os imóveis desocupados. E a política cultural exercida pela UNE naquela época era um luxo: tinha Gullar, Cacá. Vianinha, Joaquim Pedro, Jabor. Hoje você tem uma agência reguladora que é um lixo.

O sr. gostou de "Cidadão Boilensen"?
Adoro, Sobretudo a sobriedade do filme, o rigor.

Gostaria de tê-lo feito?
Não sei se euteria a capacidade de fazer. O Chaim Litewski tem uma cabeça muito organizada, muito mais organizada do que a minha. Ele teve um rigor que eu não invejo, eu admiro. Ele destampou: foi o primeiro cara a colocar a questão da participação dos empresários no golpe.

O que o sr. acha das campanhas políticas?
Campanha que eu fiz e faria é política, não é esse show de amenidades que tem agora. Campanha eleitoral não é vender sabonete. Sabonete se usa, joga fora, na campanha eleitoral se elege.

Por que há uma diferença tão grande entre os filmes produzidos na Argentina e no Brasil?
Porque na Argentina há o Instituto Nacional de Cinema que trata de cinema como coisa autoral. Aqui se tem uma produção cinematográfica mercadológica. Cinema aqui é para mercado. Resultado: eles fazem mercado, fazem filmes, fazem público. A gente aqui não faz mercado, não faz filme de arte, e público é pífio. Temos R4 1 bilhão para aplicar em cinema. Fazendo filmes a R$ 1 milhão ou R4 2 milhões se teria uma imensidão. Mas não se faz.

Qual é o problema?
O problema é uma concepção política do que é o cinema hoje. A concepção que a gente tem é mercadológica, de fazer cinema para esse mercado entre aspas. Esse mercado beneficia 10 filmes por ano com mais de um milhão de expectadores num país de 190 milhões. Significa que onde as pessoas moram não tem sala de cinema e não se contabiliza o publico que vê o filme seja pirata, no ytube, na laje, no cineclube.

Como o sr. analisa a produção de documentários no Brasil hoje?
É uma forma de expressão respeitada. É muito mais barata, mais fácil, comunica mais com as pessoas. O documentário sempre foi assim, a gente é que não olhava para ele. Tenho a maior estreia de bilheteria, que é "Jango". Se você olhar os meus filmes fora das salas de exibição, eles continuam tendo público. Continuo sendo visto. Só que não sou contabilizado. Somos todos invisíveis: cineastas e expectadores. Cabe à ministra Marta tentar modificar isso. Afora que ela legitimou esse esquema que está no poder. A ministra diz que veio um manifesto assinado com mais de 50 cineastas. Já imaginou nomear para a Anac [Agência Nacional de Aviação Civil] um presidente que venha assinado pela Gol, TAM, talvez até pela Transbrasil? Ou um da Anatel nomeado com o apoio de Oi, TIM, Claro, Vivo? Isso é uma vergonha.

O sr. está otimista?
Sou otimista com a vida. Quando você quase morre e renasce e tem um ano de vida e continua produzindo e fazendo coisas, você não tem o direito de ser pessimista. Lembro do Mário Quintana: 'Eles passarão, eu passarinho'. Não posso ser uma pessoa infeliz, triste. Estou enfrentando as adversidades da burocracia, não me deixo esmorecer, não deixo que a minha cabeça seja ocupada pelo desconsolo, pela tristeza, pelo pessimismo.

Como está sendo a sua experiência na internet?
Fiz um filme sobre agrotóxicos que está na internet, meus filmes estão na internet.

E como fica a remuneração?
Remuneração para quê? Os filmes nascem pagos. Tudo é dinheiro do povo brasileiro. Acho que tem que devolver para o Brasil um pouco do que se ganha. Se faz com leis de incentivo fiscal. Não conheço um cineasta que não tenha se remunerado na produção. Se o filme já nasce remunerado, porque tem que se pagar? Que bom que ele se paga. Mas tem que devolver para o Brasil.

Meu filme sobre os agrotóxicos custou R$ 50 mil (financiado por uma escola da Fiocruz) e eu não ganhei nada. Tive muito prazer de fazer. Se tivesse que contabilizar lucros e prejuízos, posso dizer que foi o filme que eu mais ganhei. O filme que me deu mais público. Viajei o Brasil inteiro, teve 130 mil acessos no youtube, fora a quantidade de cópias que foram feitas e distribuídas de graça. Ele era distribuído com o selinho: copie e distribua.

Queria dizer que falta no Brasil uma política do MEC para distribuir filmes nas escolas. Assim como fizeram com os livros e as pessoas começaram a ler Machado, Alencar, Fonseca. A mesma coisa deveria ser feita com o cinema. Não com uma preocupação didática, de sala de aula. Mas com uma preocupação lúdica, de formação.

Como foi o "Utopia e Barbarie"?
Fui super boicotado porque entrevistei a Dilma. E a procurei por causa da discussão dela com o Agripino Maia. Eu não sabia que ela iria ser candidata. Quinze dias depois da entrevista ela anunciou a candidatura. Fiquei com brocha na mão: se não colocar, vou ser covarde; vou colocar. A imprensa inteira me bicotou por causa da campanha eleitoral. Em "Tancredo" começam as pressões: por que eu tinha colocado o Aécio? Poderia fazer sem colocá-lo. Posso deixar de ouvir o Serra? E tome de patrulha. No caso do Ferreira Gullar [que apoiou Serra], tome de patrulha. Graças a deus, sou muito patrulhado à esquerda e à direita. Por isso sou respeitado, tanto pela esquerda quando pela direita. Porque sabem que sou independente.No fundo me respeitam e admiram. Tentaram a fórceps me impedir de fazer o Poema Sujo. Até hoje.

Como? Quem?
A patrulha. Quando comecei a fazer o Poema Sujo e Gullar assumiu uma postura pró Serra, meus amigos de esquerda começaram a achar inadmissível trabalhar com esse cara. Tenho a maior admiração pelo Gullar. Ninguém vai me impedir. Sou de uma geração que lutou contra duas coisas fundamentais: a lei da vagabundagem, que exigia carteira assinada no bolso do preto e desdentado. Se estivesse na rua sem carteira era preso. Era a lei da vadiagem. Outra foi contra e atestado ideológico. Quem não tivesse, não conseguia ser empregado. Eu não peço atestado ideológico para ninguém. Estou ouvindo todos os advogados, todos os militares [para os projetos em andamento]. Não tenho direito de patrulhar ninguém, senão não estou fazendo o meu trabalho.

A sua polêmica com a Ancine é séria.
Como pode haver um órgão público em que os pareceristas trabalhem encapuzados como nos velhos tempos do DOI-CODI? Vamos tirar o capuz desses pareceristas! O cara tem que assinar o que ele escreve.

É para impedir pressões? Na Itália existem os juízes sem rosto que atuam em casos da máfia.
Estão querendo dizer que nos cineastas somos mafiosos? Esse é o amálgama que eles querem fazer? É nisso que a Ancine acredita? Se é, então, que ela diga. É só colocar sempre dois pareceristas para assinar juntos. Se alguém oferecer grana, que os caras tenham coragem de dizer. A gente não pode ter medo da liberdade. Eu quero saber o nome do cara que disse que Poema Sujo é para passar na televisão de canal fechado.

É mais fácil fazer filme político hoje?
Hoje tem mais liberdade, o que é um fenômeno internacional. O cinema sempre foi político e continuará sendo.

JANGO
DIREÇÃO Silvio Tendler
ONDE CCBB (r. Álvares Penteado, 112; tel.: 0/11/3113-3651): 6/4, 18h, e 13/4, 14h; Cinemateca (lgo. Sen. Raul Cardoso, 207; tel.: 0/11/3512-6111): 10/4, 20h


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