Folha de S. Paulo


Em crise, moda deve ser incluída na Lei Rouanet

Uma nova peça entrará no complicado xadrez da moda brasileira na próxima temporada de desfiles. Entre grupos endinheirados em ascensão e criadores de ateliês em dificuldade financeira, o financiamento público surge como protagonista de uma jogada que pode mudar o tabuleiro.

A Folha apurou com duas fontes ligadas ao governo federal que, já na próxima temporada, deve ocorrer na São Paulo Fashion Week (SPFW) o primeiro desfile feito com auxílio da Lei Rouanet, de incentivo à cultura. Seria uma apresentação piloto descrita como "desfile-exposição".

O designer selecionado seria incluído nas regras vigentes da Rouanet, ganhando o direito de captar patrocínios, cujos valores poderiam ser abatidos em parte do imposto de renda dos apoiadores.

Para configurar o caráter de benefício público --exigido pela lei--, o desfile teria de ser aberto ao público, em vez de fechado para convidados.

Paralelamente a esse movimento, será anunciada a construção de um museu da moda, que deve ser instalado em São Paulo. A estilista Gloria Coelho teria sido a primeira a doar peças de seu acervo para o projeto.

Já Ronaldo Fraga disse estar em contato com a equipe de Marta Suplicy, ministra da Cultura, sem detalhar sua participação nas duas iniciativas.

As iniciativas vêm depois de várias reuniões da ministra com estilistas e representantes de entidades da moda. No ano passado, em entrevista à Folha, a ministra afirmou que acreditava na moda "como produto cultural" e disse estar analisando projetos para incentivo direto ao setor.

A notícia chega num tempo em que criadores renomados passam por momentos delicados. Embora não falem publicamente sobre suas dívidas e dificuldades, crises como a da grife Huis Clos --uma das pioneiras do alto luxo no evento e que não desfilou nesta edição nem na passada--, não são segredo.

"Empresas menores são mais afetadas pelas crises. O que está acontecendo hoje é o que sempre dizíamos que ocorreria, 15 anos atrás, se nada fosse feito. Não há plano de desenvolvimento para a indústria de moda, e os custos altos de produção seguram o crescimento", diz Paulo Borges, criador da SPFW.

"No caso da Huis Clos, os problemas são mais antigos, todo mundo sabe. Agora, Reinaldo Lourenço e Gloria Coelho estão passando por uma reestruturação pontual. Eles estão no mercado de luxo, cada vez mais competitivo, e o preço dos nossos produtos é altíssimo", afirma Borges.

AUTORAL x COMERCIAL

Antes de fazerem jus ao novo benefício, segundo as fontes ouvidas pela reportagem, haverá uma triagem para definir quais estilistas desenvolvem um trabalho autoral e quais se encaixam no padrão de difusão comercial.

A seleção seria feita por uma equipe do MinC, que, até agora, inclui acadêmicos e integrantes da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção).

A grande dificuldade será definir critérios sobre "o estilista criador". Detalhes do processo criativo --ou seja, croquis, desenvolvimento de conceito e informações que comprovem a autenticidade da "obra"-- serão incluídos no relatório oficial do ministério.

Porém, para conseguir o incentivo, além de comprovar sua verve "autoral", a grife deverá provar que necessita dos recursos da Lei Rouanet. Marcas notadamente autorais e criativas, mas que integram grandes grupos, como Alexandre Herchcovitch e Osklen, poderiam ficar de fora nesse caso.

Ainda sem botar em jogo a ajuda governamental, a edição verão 2013/2014 da SPFW terminou ontem, deixando no ar a definição das próximas jogadas fashion.

Entre as estrelas trazidas pelos grupos AMC e Inbrands para suas marcas de massa e, do outro lado, apresentações low-profile da maioria das outras grifes, o clima foi de tensão. "A dinâmica é essa. Onde não há conflito, não há troca", diz Borges, resumindo o espírito do momento.


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